Quando, do nada, um novo restaurante cai no goto ao ponto de estar sempre a abarrotar, os mais renitentes podem evocar a sorte de principiante ou até achar que é mais só uma moda-que-dá-forte-mas-passa-rápido. Só que, quando ao fim de um ano e meio, esse mesmo restaurante não só continua de portas abertas, como se desdobrou e não chega para as encomendas, então é porque algo de bom, e digno de nota, se passa ali.
Se me perguntarem o que tem de tão especial a Taberna Ideal, em Santos, para justificar tamanho sucesso, a primeira coisa que me ocorre como explicação é, precisamente, o facto de ter feito da simplicidade e das coisas simples um trunfo.
Numa época em que a "cozinha de autor" e o "design" se tornaram desculpas para vender, não tão raras vezes como isso, gato por lebre, a Taberna Ideal é, sem complexos, a versão moderna da tasca que não alinha em minimalismos nem em doses minimais.
Para os que ainda associam à palavra "tasca" uma conotação pejorativa, apresso-me a esmiuçar o conceito, não vá alguém ficar com a ideia errada - de taberna tem só o nome, esqueçam o cheiro a vinho azedo e o ar seboso de quem não viu água . Até porque, como disse e repito, ser simples não é sinónimo de ser simplório ou básico. A Taberna Ideal tem o mérito de não ter complicado demasiado as coisas, mas isso não é algo que se consiga de pé para a mão; além de que exige talento e tino.
Durante quase toda a semana, servem apenas jantares, que nas noites de sexta e sábado se desenrolam em dois turnos - o primeiro vai das 19.00 às 22.30 e o outro das 22.30 em diante - para tentar acomodar o máximo de fregueses antigos e novos que, à última da hora, entopem o gravador de mensagens com pedidos de reserva (e escusado será dizer, no bom estilo quem-avisa-amigo-é, que a reserva, além de recomendada, deve ser feita com a devida antecedência se não quiser ter um desgosto) .
Explicado o modus operandi, acrescento, para quem ainda não foi, que a casa ocupa dois números da rua da Esperança - o 112 e 114, sendo que, duas portas abaixo, no 100/102, nasceu a Pestiqueira Ideal, onde as mesas são atribuídas por ordem de chegada, sem reserva prévia, e o cardápio se faz de petiscos vários - e que o seu charme "retro-luso", e o termo não é meu, está na mistura, por vezes inusitada, e não na intenção de ter tudo a condizer. Aliás, muito pouca coisa ali faz pandan, nem os pratos - que manda a tradição da casa ficarem empilhados sobre a mesa, cabendo a quem se senta distribui-los depois -, muito menos as cadeiras e mesas, com cara de quem veio da feira da ladra ou dos tarecos da avó.
Mas claro que isso faz parte da ilusão. Como faz parte também nem sempre conseguir ler a ementa do dia escrita a giz na ardósia pendurada ao alto, pelo que alguém da casa não se fará rogado a repetir, só para quem ainda não é habitué, que nas entradas há ovos com alheira de caça, tibornas com tomate, queijo ou alho e azeite, além de cogumelos gratinados ou picos (rojões) com maçã. É comum haver um prato do dia, mais acessível, sendo que o empadão de codorniz com tâmaras e alheira se tornou uma espécie de cartão de visita.
Não é, nem pretende ser, acho, uma cozinha de excepção, mas é honesta, saborosa, cai (e dispõe) bem, tem um preço justo (média de €20 a €25 por pessoa) e consegue ser portuguesa sem ser excessivamente regional. Tem ainda a vantagem de servir mais de 20 tipos de vinho a copo, o que é menos comum do que se imagina, todos nacionais até onde apurei, e a carolice de, por exemplo, servir "caipironha", uma versão com aguardente de medronho. Tânia, uma das donas, já é conhecida por fazer as honras da casa, sem mesuras ou rapapés, e o mesmo se passa com o restante pessoal que serve às mesas e não se acanha nada em tratar os clientes, conhecidos ou não, por tu. É o modus vivendi da Taberna e só estranha quem for ali ao engano. Isso e o facto de não haver multibanco.
Rua da Esperança, 112-114, tel. 213 962 744, de seg. a sáb., das 19.00 às 02.00, aos dom., das 13.30 às 02.00