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16.1.13

fora de portas: vila joya "pop up" em seteais

[Sala D. João VI, cenário do Vila Joya pop up em Seteais (foto de divulgação editada por jms)]


Vila Joya, o pequeno hotel algarvio que se tornou sinónimo de cozinha de excelência em Portugal, chegou ao final de 2012 com motivos de sobra para celebrar.

[Preparativos na cozinha (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Macarons e madalenas acabadas de montar (©jão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Entre outros feitos, conseguiu manter as suas duas estrelas Michelin na edição de 2013 do guia e entrou para o lote de 50 melhores restaurantes do mundo segundo a revista britânica Restaurant. 

[A equipa de cozinha do Vila Joya em Seteais (foto de divulgação edtada por jms)]
[A equipa de sala do Vila Joya em Seteais (foto de divulgação editada por jms)]

E ainda assim havia algumas decisões importantes para tomar. Durante os últimos anos, janeiro fora sempre o mês escolhido para realizar o Tribute to Claudia (o festival gastronómico mais estrelado do nosso país), mas chegados a esta altura do campeonato — em que a fasquia está cada vez mais alta —, Dieter Koschina, o chef austríaco à frente do restaurante, e os responsáveis do Vila Joya, a proprietária Joy Jung e o seu diretor geral Gebhard Schachermayer, decidiram aproveitar o período de inverno para retemperar forças. 

[Preparativos (foto de divulgação editada por jms)]
[Mesa posta (foto de divulgação editada por jms)]

Foi assim que o festival começou por ser transferido para março (altura em que muitos chefs internacionais de maior gabarito voltam ao trabalho em força), mas acabou por ficar fixado entre 7 e 17 de novembro de 2013 — patrocinadores e concorrência de outros certames a isso obrigaram. 

[Lugar marcado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Surpresa 1: folha de polenta com um espumante da Bairrada, o Borga Bruto Rosé 2006 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas não se julgue que o Vila Joya tem estado parado. Pelo contrário. Numa iniciativa até agora inédita, ao estilo muito na moda do pop up (designação para algo que tem data certa para começar e acabar), parte da equipa de cozinha e de sala do restaurante algarvio transferiu-se de armas e bagagens para o Tivoli Palácio de Seteais, em Sintra, de 13 de dezembro a 14 de fevereiro. 

[Surpresa 2: macaron de enguia (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Surpresa 4: madalena de chouriço com frutos cristalizados (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A parceria, que apanhou muitos desprevenidos, foi pensada para que as duas partes saíssem a ganhar: o Vila Joya não teve o ónus de uma paragem e o Tivoli de Seteais, mais conhecido pelo seu romantismo histórico do que pela boa cozinha, pôde proporcionar uma nova experiência não só aos seus hóspedes habituais como até atrair um outro público — o primeiro balanço feito revelou uma clientela sobretudo portuguesa, oriunda da região de Lisboa, mas também de pontos mais distantes como o Norte ou até mesmo, por incrível que pareça, o Algarve. 

[Surpresa 5: corneto de salmão com alho preto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Sendo ambos pequenos hotéis de charme, o Vila Joya e o Tivoli Seteais possuem temperamentos e imperativos diferentes. 

[Surpresa 6: canelloni de carabineiro e açafrão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O primeiro desafio a ultrapassar foi a de trazer e instalar boa parte do equipamento de cozinha (digno de um dois estrelas) numa cozinha velha do palácio. Já a sala escolhida para instalar o Vila Joya pop up em Seteais dificilmente poderia ter sido mais feliz; trata-se da Sala D. João VI, íntima e luminosa, virada para os jardins e apoiada por um foyer, onde foram postas apenas cinco mesas com capacidade para um máximo de 20 pessoas. 

[Surpresa 7: ovo com sabayon de sapateira (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Nem mais, nem menos. 

[Amuse-bouche: ostras Gillardeau com tapioca, salicórnia e espuma (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Até 14 de fevereiro, não por coincidência o Dia de São Valentim (que terá uma ementa especial, não divulgada por enquanto), esta versão pop up terá mudado de menus todas as três semanas, assegurando o serviço de almoço e de jantar de quinta a domingo. 

[As várias manteigas do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A união entre o cenário de um e o saber-fazer do outro resulta, no mínimo, em algo digno de ser vivido e apreciado. Além do equipamento e da equipa, o Vila Joya trouxe também a sua marca — das toalhas ao serviço de mesa. 

[Lavagante do Atlântico com maçã e bergamota (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para os almoços pensaram numa ementa de três pratos (a 95 euros por pessoa) e para os jantares numa outra com seis (a 165 euros por pessoa), sendo que num caso e outro se tem à disposição duas opções de maridagem com vinhos (uma a 55 euros e outra a 85 euros por pessoa). 

[Entre-pratos: Crème brûlée de Roquefort com espuma de Brie e ananás (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Koschina não está presente em Seteais, mas a equipa de cozinheiros sabe, na sua ausência, honrar aquilo que se espera do Vila Joya, em Albufeira ou em Seteais: uma cozinha muito equilibrada, em que vários produtos locais (sobretudo o nosso peixe e marisco, mas também os vinhos e espumantes), a par de outros ingredientes incontornáveis como o foie gras, a carne Wagyu, as trufas pretas ou a Alcachofra de Jerusalém, se submetem a uma técnica centro-europeia. 

[Wagyu com caviar, almôndegas de tutano...]
[... e vários vegetais miniatura como a cebola Perla (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E porque há um lado lúdico a não esquecer, cada vez mais parte da experiência de se comer num restaurante deste nível, a par dos pratos e dos vinhos, o que mais encanta são as constantes surpresas que, ainda antes do sempre esperado amuse-bouche, nos entretém os sentidos — chegam sob a forma de cones, de macarons, de chips, de madalenas ou até dentro de ovos (como o sabayon de sapateira), com combinações inusitadas (enguia fumada com bacon e ameixa, por exemplo), uma riqueza de detalhes digna de ourives e comem-se à mão. 

[Sobremesa: framboesas e chocolate servidos com um Taittinger Brut Réserve (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Afinal, um casamento não tem de durar para sempre. Deve durar o tempo certo para nos fazer felizes. Como é o caso.  

Vila Joya pop up em Seteais Tivoli Palácio de Seteais | Rua Barbosa du Bocage, 8, Sintra , reserva pelo tel. 219 233 200; almoços e jantares de quinta a domingo (até 14 de fevereiro) 

31.8.12

fora de portas: da terra e do mar, simples assim, porque o verão ainda não acabou na fortaleza do guincho


[Magníficos dias atlânticos no Guincho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Os olhos também comem, é sabido, mas no caso da proposta do restaurante da Fortaleza do Guincho para o último fôlego do verão, nem precisamos preocupar-nos em ter mais olhos do que barriga.

[O amuse-bouche desde logo a prometer frescura, com figos, legumes e vegetais crocantes e flores comestíveis (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Porque o propósito é mesmo esse, o de sermos desde logo arrebatados pelos olhos, sem termos depois de carregar o remorso do excesso e do pecado da gula.

[Bouquet de legumes da Quinta do Poial cozinhados com limão confit e manjericão, pãozinho de sémola com Culatello di Zibello (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Num dia radioso escolhido a dedo, daqueles raros em que o mar do Guincho surge amansado e nem sinal de vento, Vincent Farges, o chef executivo, quis mostrar que há sempre possibilidades a explorar; até mesmo dentro de um menu sazonal que, logo à partida, tinha apostado mais nos pescados e nos legumes.

[Filete de salmonete assado com óleo de limão, os fígados em condimento com pimento confitado, legumes glaceados com cominhos e açafrão e molho avinagrado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E faz sentido que assim seja, pois a estrela Michelin, o ar rebuscado da Fortaleza (por mais que aqueles janelões do restaurante, sobre o mar, nos façam esquecer tudo o resto) e o rótulo assumido de alta cozinha francesa poderão levar os mais desprevenidos a pensar que verão, leveza, informalidade e Fortaleza do Guincho não rimam.

[Cherne da nossa costa assado com girolles, pequenos legumes com toucinho Colonnata e molho do assado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E a verdade é que pode até dar uma bela rima.

[Borrego Allaiton de Aveyron assado, boulangère de aipo e Pata Negra, barigoule de alcachofras e funcho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Vincent Farges, já aqui o escrevi por mais de uma vez, tem vindo a ganhar protagonismo ao leme do restaurante, sem desprimor para a consultadoria afetiva, a cada três meses, do seu mentor, o chef Antoine Westermann. E é quando está mais solto, e tem por isso maior liberdade criativa e margem de manobra para ousar, que, arrisco-me a dizê-lo, eu mais aprecio a cozinha do Guincho.

[O borrego já com o molho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não é de hoje que Farges faz a apologia do bom peixe português e que aposta, sem descurar outros produtos essenciais à cozinha que pratica e que não se encontram no mercado nacional, nos legumes produzidos pela Quinta do Poial, mas que bom ver (e saborear) uns e outros num almoço próprio para os dias quentes, com cheiro, sabor e textura a terra e mar.

[Nage de pêssegos com citronela, gelado de lúcia-lima e pequenas Madalenas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A Quinta do Poial tornou-se uma espécie de coqueluche dos chefs (além de Farges, outros adeptos são o José Avillez, do Cantinho e do Belcanto, ou o Henrique Mouro, do Assinatura), dos críticos e de um punhado cada vez mais significativo de consumidores esclarecidos da nossa praça que já não passam sem os seus produtos orgânicos (à venda, todos os sábados, no Mercado Biológico do Príncipe Real). 

[Cerejas salteadas com Kirsch, biscoito e cremoso de pistácio, gelado de Kirsch velho da Alsácia (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É justo. Maria José Macedo, a principal responsável pela Quinta do Poial (ou o rosto mais visível, pelo menos), percebeu essa lacuna no nosso mercado e tem sabido produzir, com grande mestria e qualidade superior, legumes e ervas aromáticas de ótima cepa. 

[E que mignardises são estas? (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mais de uma mão cheia deles, nas versões mini (ou baby como também são designados), saltaram para a nossa mesa em criações belíssimas, sem beliscar o seu frescor, de Farges.

[E a praia logo ali, à espreita da Fortaleza do Guincho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nas sobremesas, nada a reclamar, muito pelo contrário. Mas, se soubesse, acho que as teria dispensado, em nome da tal leveza que o dia pedia, e ter-me-ia ficado pelas mignardises que vieram com o café. De arregalar os olhos, foi um dó de alma, ai sim, só ter olhos e não mais barriga para as devorar como mereciam.

Estrada do Guincho, Cascais, tel. 214 870 491, todos os dias, almoços entre as 12.30 e as 15.30 e jantares entre 19.30 e as 22.30

31.5.12

fora de portas: reviver a pompa e circunstância de seteais a pretexto dos bons vinhos de colares

[Fachada do Tivoli Palácio de Seteais (foto de divulgação)]

As horas, os dias, as semanas, os meses, e até os anos, passam a correr e, quando damos por eles e por nós, já passou um bom tempo desde que estivemos pela última vez num lugar de que gostamos.

[A piscina (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É o caso do Palácio de Seteais, na encosta da serra de Sintra, onde funciona desde há muito um hotel do grupo Tivoli que soube manter a sua aura palaciana e valorizar um tipo de arquitetura civil e residencial neoclássica típica do século XVIII que, não há volta a dar, pede requinte, serviço sem mácula e toda uma série de ornamentos — das pinturas e frescos às tapeçarias, passando pelo mobiliário de época, luminárias ou porcelanas — que lhe façam inteiramente justiça.

[Um dos salões nobres (foto de divulgação)]

Entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2009, o hotel-palácio esteve fechado para um restauro profundo que envolveu, entre outras, a Fundação Ricardo Espírito Santo. Não foi coisa pequena e o resultado vê-se até hoje.

[A escadaria na entrada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pour le plaisir des yeux — um regalo para os olhos.

Mas, para lá da pompa e circunstância das suas áreas nobres, que sempre me levam a reservar alguns minutos para as passar em revista (nem que seja de fugida), o que me trouxe de volta ali, dias atrás, foi a paparoca.

[Chef Luís Baena (©joão miguel simões todos os direitos reservados)]

O chef Luís Baena, um discípulo assumido da cozinha tecnoemocional sempre que o faz num registo mais autoral (e tentou fazê-lo no seu restaurante lisboeta Manifesto que, ao que tudo indica, encerra as portas no mês de junho...), ocupa — desde 2007, se não me falha a memória — o cargo de chef executivo do grupo Tivoli Hotels & Resorts.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Não é pêra doce e obriga a um bom jogo de cintura, já que tem de estabelecer, constantemente, um compromisso entre o que é a sua linha de cozinha e as necessidades práticas dos hotéis.

No caso de Seteais, onde funciona um restaurante com o mesmo nome de amplas vistas para os maravilhosos jardins, o chef em funções é António Santos, mas Baena, claro, tem uma palavra a dizer.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Ainda que os hóspedes sejam a prioridade, o hotel sabe que atrair clientela de fora é fundamental nos dias que correm. Tanto mais porque Sintra continua a ser um destino incontornável para os passeios de fim-de-semana de muito boa gente.

Nesse sentido, e ajuizadamente parece-me, têm vindo a apostar em cartas mais nacionais, com uma degustação preparada no famoso trolley da Christofle nos jantares de sexta e sábado ou ainda um carro-buffet de 18 acepipes servido nos almoços de domingo. Igualmente tentadores são os lanches à portuguesa, outra tradição recuperada aos fins-de-semana, entre as 16.00 e as 18.30, que incluem pães, queijos e charcutaria regionais, além de bebidas mais adequadas ao verão (sumos naturais, capilé...) e inverno (chás da TWG e chocolate quente).

[A postos para a maridagem com os vinhos de Colares (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No almoço em que estive, uma ocasião especial, Baena assumiu a cozinha e veio inúmeras vezes à sala para explicar o casamento que realizou entre os vários pratos e os vinhos selecionados da Adega Regional de Colares.

[A salada de mexilhões (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Assumo: do que comi — salada morna de mexilhão com legumes temperados com vinagrete de ananás, maracujá e goiaba, de entrada; robalo recheado com cogumelos e tomate, puré de batata, crosta de salsa e molho de camarão da costa; carrilheira de novilho confitada, arroz cremoso de beterraba fumada; e travesseiro de Sintra com gelado de chá preto dos Açores de sobremesa —, nada me entusiasmou por aí além, mas entendo que se tratava de um menu mais abrangente, com limitações de ordem prática e a obrigação, provável, de cumprir um orçamento.

[O Robalo (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por outro lado, foi interessante ouvir o Aníbal Coutinho, enólogo, crítico de vinhos e consultor da carta de bebidas da rede Tivoli, a explicar porque se impõe uma maior atenção às novas colheitas (e não só) que estão a sair da mais antiga cooperativa do país — a Adega de Colares foi fundada em 1931 —, integrada numa região demarcada que leva a denominação de origem e a indicação geográfica de Vinho Regional Lisboa.

[O travesseiro com o gelado de chá preto, a acompanhar o licoroso Conde de Oeiras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Curioso é que muitos não saibam, mesmo os portugueses, que na região de Lisboa se produzem bons vinhos desde há muito. A prová-lo, não só os de Colares — de que fazem parte os do Senhor d'Adraga, do Casal de Santa Maria e de quem já falei aqui —, mas também o Conde de Oeiras, para dar outro exemplo. Este vinho licoroso, muito associado ao Marquês de Pombal, foi-nos aliás servido com a sobremesa, numa manobra de charme que atesta bem a vontade em recuperar também o Vinho de Carcavelos.

À falta de outras oportunidades, ficam a saber que em Seteais alguns destes vinhos estão na carta e podem ser desfrutados por quem ali for. 

Tivoli Palácio de Seteais | Rua Barbosa do Bocage, 8, Sintra, tel. 219 233 200

26.11.11

fora de portas: rota das estrelas na fortaleza do guincho, parte 2 | fotoblog de uma noite memorável

[©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Este brinde, com toda a equipa do restaurante da Fortaleza do Guincho, aconteceu a 18 de Novembro, menos de uma semana antes do lançamento oficial da edição de 2012 do guia vermelho da Michelin, por ocasião dos dois jantares que foram ali servidos a pretexto de mais uma Rota das Estrelas.
[Sentados, da esq. para a dir.: Neuner, Farges e Ortu; de pé: Broda (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Nesse dia, ou melhor nessa noite e na que se lhe seguiu, as estrelas eram, além de Vincent Farges (chef executivo da Fortaleza), o austríaco Hans Neuner do Ocean (Vila Vita, Algarve) e os franceses Sébastien Broda (Le Park 45, Cannes) e Jean-Luc Ortu (JLO Consulting), mas claro que se falou, e muito, das outras, as Michelin, e da expectativa em torno delas.
[Hans Neuner em ação na cozinha do Guincho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Hans Neuner, o pequeno-grande chef, não sabia na altura, mas daí a dias teria motivos de sobra para pular de alegria (e foi o que fez, literalmente, segundo relatos fidedignos). De uma estrela Michelin passou a duas, feito notável apenas conseguido até à data, no que a Portugal diz respeito, pelo Vila Joya (Albufeira/Algarve). E foi assim que o Ocean orquestrado por Neuner, instalado num resort algarvio que muitos veem apenas como "coisa para turistas alemães", se elevou a "restaurante de excelência que vale o desvio".
[Farges em noite solidária com a associação Operação Nariz Vermelho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
No Guincho, a discrição e a cautela prevaleceram até ao fim, mas acreditou-se que poderia ser desta. Não foi. Ainda não foi. A maioria dos restaurantes estrelados pela Michelin, é caso recorrente, pena anos a fio para subir de patamar, mas a espera da Fortaleza veio a revelar-se particularmente longa. A primeira estrela chegou já em 2001 e, desde então, nunca foi perdida.
[Os bastidores da Rota das Estrelas no Guincho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Por que será então que tarda tanto a chegar a segunda estrela se a Fortaleza tem dado provas da sua constância? Será que se tem limitado a fazer mais do mesmo? Que não tem inovado, ou "provocado" (a nova palavra de ordem na cozinha), o suficiente para voar mais alto? A resposta não serei eu a dá-la, mas ainda assim permito-me arriscar uma teoria: a Fortaleza precisa tornar-se mais conhecida fora de portas, de atrair imprensa estrangeira especializada e de gerar um maior foco de interesse à sua volta. Já o faz, e bem, em Portugal, mas o nosso país não chega — por mais que a cozinha de Farges esteja a viver um dos seus momentos mais inspirados e consistentes.
[Farges, Broda e Ortu conferenciam na cozinha durante a preparação do jantar (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
E isto vale também para outros chefs e restaurantes à beira-mar plantados. Portugal tem, na edição de 2012 do guia Michelin, 12 restaurantes com 14 estrelas (mais duas do que em 2011). Alvo de duras críticas pelos seus critérios nem sempre muito claros, a Michelin foi particularmente generosa com Portugal num ano em que praticamente só se fala de nós por conta da malfadada crise e em que a maioria dos críticos gastronómicos internacionais que nos visita nunca deixa de fazer referência, com razão, ao facto da nossa alta cozinha estar a padecer de uma certa estagnação (sobretudo porque nos falta, neste momento, uma clientela suficientemente expressiva que queira pagar por ela).
[A azáfama na cozinha era grande durante o jantar e tudo podia ser acompanhado na sala graças a dois enormes ecrãs (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Na imprensa estrangeira, pouco ou nada se tem falado das estrelas lusas. Fora de Portugal, não tenhamos ilusões, Espanha, e a ira dos espanhóis contra os inspetores da Michelin, chamou a si todas as atenções, sobrando a impressão de que o guia é, afinal, referente a um só país e não a dois — até mesmo os jornalistas brasileiros (o Brasil deve ganhar, finalmente, uma edição do guia para chamar de sua no próximo ano) relataram as venturas e desventuras das estrelas espanholas como se fossem suas, ignorando por completo o lado luso da questão.
[O caviar que viria depois a ser empratado com o pregado (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Estamos acostumados a que seja assim, eu sei. Mas, porventura, estamos acostumados demais. Claro que Espanha e a cozinha espanhola, pela sua envergadura e peso, jogam num outro campeonato, mas isso não valida que nos estejamos a promover mal. Somos um país pequeno, com pouca margem de manobra até ver e muito a fazer (e a aprender), mas precisamos contrariar a ideia que se instalou fora de portas — e que me incomoda, sou franco, ver reproduzida à exaustão em mercados que nos são essenciais, como o espanhol e o brasileiro — de que não se passa nada de verdadeiramente interessante, ou digno de nota, na alta cozinha praticada por cá.
[Menu servido nas duas noites da Rota das Estrelas no Guincho (clicar na imagem para aumentar e ler)]
Fecho o longo parêntesis e volto à noite das outras estrelas. Já tinha dado um cheirinho do que se passou por lá neste post, mas prometi mostrar mais. O prometido é devido. Ao todo foram servido dez pratos, ou seja dois por chef mais duas sobremesas a cargo de Daniel Pinto Marques, o novo titular da pastelaria na Fortaleza (falei antes da saída de Fabian Nguyen) e os vinhos escolhidos pelo escanção premiado Inácio Loureiro.
Antes do jantar, diferentes amuse-bouches preparados pelos chefs foram servidos, regados a champanhe, mas eu gostei especialmente das tacinhas com legumes em miniatura (acima), crocantes e deliciosos, produzidos na Quinta do Poial, um dos fornecedores de eleição de Farges.
Além dos entreténs de palato, houve ainda degustação de caviar, de foie gras, de chocolate Valrhona e de presunto ibérico, este último servido a preceito por Zacarías Píriz Estévez (acima), mestre-cortador (só existem 16 no país vizinho) e faca de ouro espanhol.
Sentados à mesa, coube a Farges abrir os serviços com uma primeira entrada: peito de codorniz assado, miúdos cozinhados com maçã e chalotas aciduladas, e coxa em rillette (semelhante a patê) com foie gras de pato, Amlou (molho marroquino) de nozes e avelãs com óleo de Argan.
A segunda entrada veio assinada por Neuner: barriga de atum com Hollandaise de ouriços, Salicórnia e melancia. As duas foram acompanhadas por um branco Quinta dos Carvalhais-Encruzado 2010.
Não é todos os dias que se tem Broda numa cozinha vigiada por câmaras de televisão. Foi ele que criou as duas últimas entradas. A primeira delas foi sapateira da costa, bavarois de sardinhas, espuma de mostarda Savora (curioso como esta velha mostarda está a ser recuperada por alguns chefs), pepinos e condimentos.
Para rematar: vieira salteada sobre uma fatia de pão, alcachofra, pinhão, cebolinho e salsifis (tubérculo) milanèse, polpa de funcho e yuzu (fruta cítrica asiática). Esta entrada e  a anterior foram maridadas com um vinho verde Soalheiro-Primeiras Vinhas 2010.
Por esta altura, é bom dizê-lo, ainda não íamos a meio do menu. Ortu foi o senhor que se seguiu. Primeiro prato de peixe, e talvez o meu preferido da noite, lavagante azul em caldo cremoso, raviole abaunilhado de abóbora Hokkaido (também conhecida por Potimarron, oriunda da Ásia) com limão confitado. Como vinho, um branco Guru 2010.
Ortu acertou igualmente no Pregado cozido ao vapor de algas, emulsão de ostras e bivalves com Caviar Sturia Vintage Affiné, e alho francês glaceado com cardamomo verde. Que regalo ver, e degustar, um dos nossos peixes preparado desta forma. Como vinho, um branco Niepoort Redoma Reserva 2010.
Regressa Farges e prova como um consommé pode ser mais do que um simples... consommé. O seu era de rabo de boi, claro, com pequenos legumes e fava tonka (no Brasil ela é conhecida como a semente da fruta amazónica Cumaru), mas sem dúvida que a tartine de cogumelos e lascas de Wagyu (carne de vaca japonesa), servida como acompanhamento, fez toda a diferença. Mantivemos o Redoma Reserva.
O prato de carne, propriamente dito, ficou a cargo de Neuner, que apostou as suas fichas na presa e entrecosto de porco preto, servido com batatas e cebolas confitadas, e molho de Sobrassada (enchido curado das Ilhas Baleares). O tinto era Ferreirinha Reserva Especial 20o3.
Dos fracos não reza a história; bravamente todos passaram ainda às sobremesas. A primeira, ideal para limpar o palato, foi um croustillant de citrinos e cremoso de clementinas com sorvete de toranja com Grand Marnier Bicentenaire. Os sabores acidulados foram bem conjugados com um espumante Quinta do Ameal Brut “Arinto” 2002. 
A derradeira etapa (porque me vou abster de mencionar que com o café, servido no final, vieram ainda umas mignardises) foi uma verdadeira apoteose de chocolate Valrhona em diferentes estados e formas: Tartelete cremosa de chocolate Nyangbo e sorvete de chocolate amargo, Fuseaux de chocolate Andoa recheados com uma mousse ligeira de Jivara Lactée. E tanto chocolate pedia mesmo um Madeira Blandy’s Malmsey Harvest 2004.

Quando se juntam quatro chefs, três deles com estrelas Michelin, e fazem o melhor que sabem, o resultado só pode ser, como foi o caso, uma noite memorável. Uma não, duas. Foram duas noites.  E, não tarda nada, está ai a nova carta de Inverno.

Estrada do Guincho, Cascais, tel. 214 870 491, todos os dias, almoços entre as 12.30 e as 15.30 e jantares entre 19.30 e as 22.30
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