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16.1.13

fora de portas: vila joya "pop up" em seteais

[Sala D. João VI, cenário do Vila Joya pop up em Seteais (foto de divulgação editada por jms)]


Vila Joya, o pequeno hotel algarvio que se tornou sinónimo de cozinha de excelência em Portugal, chegou ao final de 2012 com motivos de sobra para celebrar.

[Preparativos na cozinha (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Macarons e madalenas acabadas de montar (©jão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Entre outros feitos, conseguiu manter as suas duas estrelas Michelin na edição de 2013 do guia e entrou para o lote de 50 melhores restaurantes do mundo segundo a revista britânica Restaurant. 

[A equipa de cozinha do Vila Joya em Seteais (foto de divulgação edtada por jms)]
[A equipa de sala do Vila Joya em Seteais (foto de divulgação editada por jms)]

E ainda assim havia algumas decisões importantes para tomar. Durante os últimos anos, janeiro fora sempre o mês escolhido para realizar o Tribute to Claudia (o festival gastronómico mais estrelado do nosso país), mas chegados a esta altura do campeonato — em que a fasquia está cada vez mais alta —, Dieter Koschina, o chef austríaco à frente do restaurante, e os responsáveis do Vila Joya, a proprietária Joy Jung e o seu diretor geral Gebhard Schachermayer, decidiram aproveitar o período de inverno para retemperar forças. 

[Preparativos (foto de divulgação editada por jms)]
[Mesa posta (foto de divulgação editada por jms)]

Foi assim que o festival começou por ser transferido para março (altura em que muitos chefs internacionais de maior gabarito voltam ao trabalho em força), mas acabou por ficar fixado entre 7 e 17 de novembro de 2013 — patrocinadores e concorrência de outros certames a isso obrigaram. 

[Lugar marcado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Surpresa 1: folha de polenta com um espumante da Bairrada, o Borga Bruto Rosé 2006 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas não se julgue que o Vila Joya tem estado parado. Pelo contrário. Numa iniciativa até agora inédita, ao estilo muito na moda do pop up (designação para algo que tem data certa para começar e acabar), parte da equipa de cozinha e de sala do restaurante algarvio transferiu-se de armas e bagagens para o Tivoli Palácio de Seteais, em Sintra, de 13 de dezembro a 14 de fevereiro. 

[Surpresa 2: macaron de enguia (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
[Surpresa 4: madalena de chouriço com frutos cristalizados (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A parceria, que apanhou muitos desprevenidos, foi pensada para que as duas partes saíssem a ganhar: o Vila Joya não teve o ónus de uma paragem e o Tivoli de Seteais, mais conhecido pelo seu romantismo histórico do que pela boa cozinha, pôde proporcionar uma nova experiência não só aos seus hóspedes habituais como até atrair um outro público — o primeiro balanço feito revelou uma clientela sobretudo portuguesa, oriunda da região de Lisboa, mas também de pontos mais distantes como o Norte ou até mesmo, por incrível que pareça, o Algarve. 

[Surpresa 5: corneto de salmão com alho preto (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Sendo ambos pequenos hotéis de charme, o Vila Joya e o Tivoli Seteais possuem temperamentos e imperativos diferentes. 

[Surpresa 6: canelloni de carabineiro e açafrão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O primeiro desafio a ultrapassar foi a de trazer e instalar boa parte do equipamento de cozinha (digno de um dois estrelas) numa cozinha velha do palácio. Já a sala escolhida para instalar o Vila Joya pop up em Seteais dificilmente poderia ter sido mais feliz; trata-se da Sala D. João VI, íntima e luminosa, virada para os jardins e apoiada por um foyer, onde foram postas apenas cinco mesas com capacidade para um máximo de 20 pessoas. 

[Surpresa 7: ovo com sabayon de sapateira (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Nem mais, nem menos. 

[Amuse-bouche: ostras Gillardeau com tapioca, salicórnia e espuma (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Até 14 de fevereiro, não por coincidência o Dia de São Valentim (que terá uma ementa especial, não divulgada por enquanto), esta versão pop up terá mudado de menus todas as três semanas, assegurando o serviço de almoço e de jantar de quinta a domingo. 

[As várias manteigas do couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A união entre o cenário de um e o saber-fazer do outro resulta, no mínimo, em algo digno de ser vivido e apreciado. Além do equipamento e da equipa, o Vila Joya trouxe também a sua marca — das toalhas ao serviço de mesa. 

[Lavagante do Atlântico com maçã e bergamota (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para os almoços pensaram numa ementa de três pratos (a 95 euros por pessoa) e para os jantares numa outra com seis (a 165 euros por pessoa), sendo que num caso e outro se tem à disposição duas opções de maridagem com vinhos (uma a 55 euros e outra a 85 euros por pessoa). 

[Entre-pratos: Crème brûlée de Roquefort com espuma de Brie e ananás (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Koschina não está presente em Seteais, mas a equipa de cozinheiros sabe, na sua ausência, honrar aquilo que se espera do Vila Joya, em Albufeira ou em Seteais: uma cozinha muito equilibrada, em que vários produtos locais (sobretudo o nosso peixe e marisco, mas também os vinhos e espumantes), a par de outros ingredientes incontornáveis como o foie gras, a carne Wagyu, as trufas pretas ou a Alcachofra de Jerusalém, se submetem a uma técnica centro-europeia. 

[Wagyu com caviar, almôndegas de tutano...]
[... e vários vegetais miniatura como a cebola Perla (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E porque há um lado lúdico a não esquecer, cada vez mais parte da experiência de se comer num restaurante deste nível, a par dos pratos e dos vinhos, o que mais encanta são as constantes surpresas que, ainda antes do sempre esperado amuse-bouche, nos entretém os sentidos — chegam sob a forma de cones, de macarons, de chips, de madalenas ou até dentro de ovos (como o sabayon de sapateira), com combinações inusitadas (enguia fumada com bacon e ameixa, por exemplo), uma riqueza de detalhes digna de ourives e comem-se à mão. 

[Sobremesa: framboesas e chocolate servidos com um Taittinger Brut Réserve (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Afinal, um casamento não tem de durar para sempre. Deve durar o tempo certo para nos fazer felizes. Como é o caso.  

Vila Joya pop up em Seteais Tivoli Palácio de Seteais | Rua Barbosa du Bocage, 8, Sintra , reserva pelo tel. 219 233 200; almoços e jantares de quinta a domingo (até 14 de fevereiro) 

19.9.12

qosqo, que é como quem diz cusco alfacinha

[O ceviche clássico de corvina (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nunca o Peru esteve tão perto. E não há nada que enganar. A meio caminho entre a Praça do Comércio e a Casa dos Bicos, na castiça e bairrista rua dos Bacalhoeiros (quase, quase encostado à rua Padaria), assentou arraiais o Qosqo.

[À entrada, menu do dia a 13 euros (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O nome (Qosqo, que é como quem diz Cusco em quechua) não condiz com a enorme gravura que enche toda uma parede, e que retrata Machu Picchu e não Cuzco, mas isso é um mero detalhe. 

[Machu Picchu, e não Cuzco, domina a pequena sala do Qosqo (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para ser exato, o Qosqo começou a tomar forma num outro endereço alfacinha, o restaurante Isaura da avenida Paris, onde Gabriela e Vasco fizeram dos jantares de sexta uma iniciação aos sabores peruanos. A aceitação tem sido tão boa que, animados, trataram de se juntar a mais dois sócios – o peruano Marco Leya e o português José Araújo – para abrir a casa dos Bacalhoeiros. É uma casa pequenina e despretensiosa, onde não cabem mais de vinte pessoas sentadas (contei!), mas arejada, luminosa e folclórica q.b.

[Porventura, o detalhe mais conseguido da decoração (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O espaço, sou sincero, não é o forte do Qosqo, mas depressa isso passa para segundo plano. Numa altura em que chefs como Gastón Acurio e Virgilio Martinez (em breve, contarei a minha passagem pelo novo Lima que abriu em Londres!) contribuem para colocar a gastronomia peruana nas alturas (ela é, a par da brasileira e da mexicana, uma das sensações mundiais do momento), a proposta do Qosqo é muito mais modesta; mas nem por isso de menosprezar. 

[Para começar uma Cusqueña e canchita (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pelo contrário, embalados pelo portunhol do solícito empregado de mesa argentino e pela música de fundo andina, os nossos olhos fixam-se no menu escrito na ardósia por cima do balcão. Os menos afoitos podem sempre optar pelo menu do dia  — que sai por 13 euros com prato (chaufa de mariscos), bebida, sobremesa e café —, mas o meu conselho é que se lembre da velha máxima «quem não arrisca, não petisca». Nas bebidas, há sangria, imperial, mas também uma legítima cerveja peruana (a Cusqueña, uma Premium encorpada de pura cevada) e limonada (ao almoço dificilmente vai encontrar o famoso cocktail Pisco Sour). 

[As empanadas de carne de vaca (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Como aperitivo, a canchita (milho torrado, muito macio, que muitos descrevem acertadamente como uma pipoca que não estourou) faz as vezes dos nossos tremoços, ao passo que as empanadas de carne de vaca (no recheio vai também passas e a massa tem um polvilho doce que recebe bem a acidez de umas gotas de lima) são das entradas que mais saem.

[O ceviche mais em detalhe (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nos pratos, há mais opções de frios do que quentes (por regra, só um, o que achei pouco), mas, na dúvida, escolha o ceviche da casa com corvina, camarões, rodelas de polvo e de lula marinados em sumo de lima, cebola roxa e picante. O camote, a batata doce laranja, dá uma textura extra muito bem-vinda ao prato, e quem quiser pode também acrescentar um pouco do milho torrado (este pequeno "truque" foi-me ensinado no restaurante londrino de Martinez, precisamente). 

[O arroz doce em versão peruana (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para encerrar, a sobremesa da casa, que não gera unanimidades, é o arroz doce em versão peruana. Estive quase para passar, mas, a curiosidade falou mais alto. A verdade é que a dita, que leva também passas e uma espécie de doce de fruta, não acrescentou nada à refeição. Eu apostaria a minhas fichas em outras opções neste capítulo.

[A mistura de sabores na sobremesa (©joão miguel simões (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas o saldo final foi muito positivo. Comida saborosa, preço muito razoável (paguei cerca de 20 euros) e serviço amável.  À saída, invadiu-me uma agradável sensação de estar saciado, mas leve. E o desejo que os lisboetas aderiram a esta primeira incursão para valer da cozinha peruana em solo nacional.

Rua dos Bacalhoeiros, 26, tel. 218 868 061, de seg. a sáb, das 12.00 às 16.30 e das 19.00 às 00.00

6.8.12

a esperança é a última a morrer na sé

[A esplanada do Esperança da Sé (foto de divulgação)]

O tempo de pausa no blog (neste e nos outros que levam a "marca" @ddressbook) não foi premeditada, mas, entre vários afazeres (e para quem não sabe posso adiantar que, desde o número de maio, estou também a fazer a coordenação editorial da revista Volta ao Mundo), acabei por me ausentar mais do que o previsto ou desejado.

Vou-me redimir, prometo, nos próximos dias :)

Em fila de espera, o Esperança da Sé. Já deram por ele? Eu, mea culpa, só lá fui em junho.

Devo confessar que graças ao meu maravilhoso sentido de orientação, levei mais tempo a encontrá-lo do que deveria. Mas o problema não está na sua localização. É mesmo um caso grave, e sem fé, de desorientação.

À minha espera tinha uma amiga que, vira e mexe, torno cúmplice destas lambanças. E este é o meu primeiro conselho para quem ainda não foi ao Esperança da Sé: se puder, leve companhia. É o tipo de restaurante que se presta à partilha e à conversa.

Durante anos, o Esperança do Bairro Alto foi (suponho que ainda seja, mas há um bom tempo que só passo à porta) morada certa para quem queria um restaurante ao mesmo tempo cool e íntimo. A comida italiana cumpria e nos dias mais concorridos chegava a haver dois turnos de jantares para dar conta de tanta reserva. O ambiente "no escurinho do cinema" depressa tornou-se a sua marca registada, mas das vezes em que ali jantei, recordo-me, não me importaria nada que as luzes estivessem um ou dois tons acima (acho sempre complicado quando temos de andar à procura de um foco de luz para conseguir ler a ementa...).

[E a Sé logo ali, na rua em frente (foto de divulgação)]

Talvez por isso, uma das primeiras coisas que reparei ao entrar na Esperança-benjamim — e entrar é quase uma força de expressão, pois em dias de verão, o mais certo é estar de portadas abertas de par em par, atento à vida que corre em Alfama — foi na iluminação que, apesar de velada e com recurso também a velas, não é tão drástica. Melhor assim. Não se perde a carga romântica, e algo dramática, que vai bem com um edifício antigo recuperado e quase paredes-meias com a histórica Sé de Lisboa, mas também não temos de adivinhar a ementa.

Aberto há um ano, mais coisa menos coisa, este Esperança fez da esplanada, essa sim colada a um dos flancos da Sé, do outro lado do passeio, a principal novidade. Podendo escolher, eu talvez preferia onde fiquei, precisamente numa mesa à janela, com um pé dentro, mas com o olhar solto para me demorar, se preciso fosse, em cada pedra rebuscada da atração em frente. Isto porque a Sé, como monumento que é, encontra-se devidamente alumiada, mas sem nada de fantasmagórico. Pelo contrário, vista daquele ângulo, apresenta uma escala humana à dimensão do apelo castiço de Alfama.

[O Esperança da Sé está de pedra e cal num edifício antigo de Alfama (foto de divulgação)]

Assim é também o Esperança. Não chega a ser castiço, mas consegue ter uma atmosfera de bairro, sem ser bairrista, que não destoa.

E a comida, por que raio não estou a falar da comida? Afinal, não foi para isso que lá fomos?

A comida, como no do irmão mais velho, cumpre aquilo a que se propõe. Não se pode dizer que seja um restaurante barato para os padrões de Lisboa (conte com uma média de 25 euros por pessoa com vinho), mas é convivial, despretensioso e bem intencionado.

[Uma das criações mais recentes da casa: prato "três pastas" (foto de divulgação)]

Na ementa, há pizzas salgadas e doces, pastas, crepes, risottos e até uma parceria com os gelados Santini no capítulo das sobremesas. É uma cozinha italiana rápida, que no lugar dos velhos clássicos se permite já um toque de modernidade, apostando em combinações fáceis de degustar e de caírem no goto.

[O risotto nero, sucesso da casa (foto de divulgação)]

É o caso da Pizza Gourmet Fichi, que doseia a doçura dos figos com uma base de queijo de cabra e presunto de Parma, ou do prato "três pastas, que permite degustar de uma assentada spaghetti al parmegiano com tartufo, linguini de vieiras e ainda linguini nero fresco e gamberi. Favorito de muito é o risotto nero, assim chamado porque tingindo com a tinta dos chocos, levando ainda tomate, limão e bacon.

Rua São João da praça, nº 103, 
Alfama, tel. 218 870 189, aberto de seg. a sex., das 19.30 às 00.00; aos sáb., dom. e feriados, das 13.00 às 16.00 e das 19.30 às 00.00. 

31.5.12

fora de portas: reviver a pompa e circunstância de seteais a pretexto dos bons vinhos de colares

[Fachada do Tivoli Palácio de Seteais (foto de divulgação)]

As horas, os dias, as semanas, os meses, e até os anos, passam a correr e, quando damos por eles e por nós, já passou um bom tempo desde que estivemos pela última vez num lugar de que gostamos.

[A piscina (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É o caso do Palácio de Seteais, na encosta da serra de Sintra, onde funciona desde há muito um hotel do grupo Tivoli que soube manter a sua aura palaciana e valorizar um tipo de arquitetura civil e residencial neoclássica típica do século XVIII que, não há volta a dar, pede requinte, serviço sem mácula e toda uma série de ornamentos — das pinturas e frescos às tapeçarias, passando pelo mobiliário de época, luminárias ou porcelanas — que lhe façam inteiramente justiça.

[Um dos salões nobres (foto de divulgação)]

Entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2009, o hotel-palácio esteve fechado para um restauro profundo que envolveu, entre outras, a Fundação Ricardo Espírito Santo. Não foi coisa pequena e o resultado vê-se até hoje.

[A escadaria na entrada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pour le plaisir des yeux — um regalo para os olhos.

Mas, para lá da pompa e circunstância das suas áreas nobres, que sempre me levam a reservar alguns minutos para as passar em revista (nem que seja de fugida), o que me trouxe de volta ali, dias atrás, foi a paparoca.

[Chef Luís Baena (©joão miguel simões todos os direitos reservados)]

O chef Luís Baena, um discípulo assumido da cozinha tecnoemocional sempre que o faz num registo mais autoral (e tentou fazê-lo no seu restaurante lisboeta Manifesto que, ao que tudo indica, encerra as portas no mês de junho...), ocupa — desde 2007, se não me falha a memória — o cargo de chef executivo do grupo Tivoli Hotels & Resorts.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Não é pêra doce e obriga a um bom jogo de cintura, já que tem de estabelecer, constantemente, um compromisso entre o que é a sua linha de cozinha e as necessidades práticas dos hotéis.

No caso de Seteais, onde funciona um restaurante com o mesmo nome de amplas vistas para os maravilhosos jardins, o chef em funções é António Santos, mas Baena, claro, tem uma palavra a dizer.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Ainda que os hóspedes sejam a prioridade, o hotel sabe que atrair clientela de fora é fundamental nos dias que correm. Tanto mais porque Sintra continua a ser um destino incontornável para os passeios de fim-de-semana de muito boa gente.

Nesse sentido, e ajuizadamente parece-me, têm vindo a apostar em cartas mais nacionais, com uma degustação preparada no famoso trolley da Christofle nos jantares de sexta e sábado ou ainda um carro-buffet de 18 acepipes servido nos almoços de domingo. Igualmente tentadores são os lanches à portuguesa, outra tradição recuperada aos fins-de-semana, entre as 16.00 e as 18.30, que incluem pães, queijos e charcutaria regionais, além de bebidas mais adequadas ao verão (sumos naturais, capilé...) e inverno (chás da TWG e chocolate quente).

[A postos para a maridagem com os vinhos de Colares (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No almoço em que estive, uma ocasião especial, Baena assumiu a cozinha e veio inúmeras vezes à sala para explicar o casamento que realizou entre os vários pratos e os vinhos selecionados da Adega Regional de Colares.

[A salada de mexilhões (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Assumo: do que comi — salada morna de mexilhão com legumes temperados com vinagrete de ananás, maracujá e goiaba, de entrada; robalo recheado com cogumelos e tomate, puré de batata, crosta de salsa e molho de camarão da costa; carrilheira de novilho confitada, arroz cremoso de beterraba fumada; e travesseiro de Sintra com gelado de chá preto dos Açores de sobremesa —, nada me entusiasmou por aí além, mas entendo que se tratava de um menu mais abrangente, com limitações de ordem prática e a obrigação, provável, de cumprir um orçamento.

[O Robalo (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por outro lado, foi interessante ouvir o Aníbal Coutinho, enólogo, crítico de vinhos e consultor da carta de bebidas da rede Tivoli, a explicar porque se impõe uma maior atenção às novas colheitas (e não só) que estão a sair da mais antiga cooperativa do país — a Adega de Colares foi fundada em 1931 —, integrada numa região demarcada que leva a denominação de origem e a indicação geográfica de Vinho Regional Lisboa.

[O travesseiro com o gelado de chá preto, a acompanhar o licoroso Conde de Oeiras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Curioso é que muitos não saibam, mesmo os portugueses, que na região de Lisboa se produzem bons vinhos desde há muito. A prová-lo, não só os de Colares — de que fazem parte os do Senhor d'Adraga, do Casal de Santa Maria e de quem já falei aqui —, mas também o Conde de Oeiras, para dar outro exemplo. Este vinho licoroso, muito associado ao Marquês de Pombal, foi-nos aliás servido com a sobremesa, numa manobra de charme que atesta bem a vontade em recuperar também o Vinho de Carcavelos.

À falta de outras oportunidades, ficam a saber que em Seteais alguns destes vinhos estão na carta e podem ser desfrutados por quem ali for. 

Tivoli Palácio de Seteais | Rua Barbosa do Bocage, 8, Sintra, tel. 219 233 200

22.6.11

estrela, parte 1 | o hotel

[Entre jardins, a vista a partir do Hotel da Estrela pode ser tão abrangente como a que se vê na foto; abaixo: a fachada do antigo palácio agora convertido em hotel (fotos de divulgação)]


Em um ou outro trecho, a Saraiva de Carvalho, entre o Largo do Rato e a Ferreira Borges (já em Campo de Ourique), permite-se alguma largueza, mas é, no geral, uma rua esguia e delgada.

E ainda assim, espaço é coisa que não falta ao Hotel da Estrela, inaugurado em finais de 2010, o benjamim da já considerável prole do Grupo Lágrimas Hotels.

Paredes-meias com a Escola de Turismo e Hotelaria de Lisboa, o hotel, instalado no antigo Palácio dos Condes de Paraty, não faz disso uma coincidência. Nem podia. A concessão do mesmo, atribuída em concurso pelo Turismo de Portugal, previa desde logo entre as duas unidades uma cooperação a diversos níveis.

Mais do que um hotel-escola (porque, sim, muitos dos seus colaboradores são estudantes), este é um hotel que, pelas várias circunstâncias e especificidades inerentes à sua condição, decidiu que o seu tema não poderia ser outro que não a escola. 

É que, não bastasse ter por vizinha a Escola de Hotelaria, nas redondezas fica outro dos mais emblemáticos estabelecimentos de ensino da capital: a Escola Secundária Pedro Nunes, antigo liceu, entretanto fundida com a igualmente histórica secundária Machado de Castro.

[Vários detalhes da recepção, que nos remetem logo para uma sala de aulas da primeira metade do século XX (fotos de divulgação e de ©joão miguel simões)]

Explicados os porquês, só estranha à chegada quem ali for parar ao engano. Nos últimos tempos, há uma certa tendência para que mais e mais hotéis transformem as suas recepções em salas de estar. No caso do Hotel da Estrela, a recepção convida a estar, que para isso lá estão dois enormes sofás bojudos (que já foram brancos e agora são de muitas cores, como mantas de retalhos), mas qualquer semelhança com uma sala de aulas não é pura coincidência.

[A biblioteca, contígua à recepção, é um espaço de trabalho ou lazer, onde existe um honesty bar (@joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Em vez de um balcão corrido, as duas secretárias do check in-out, austeras assim como as cadeiras à sua frente, são as mesmas que os professores de antes usavam. Atrás, uma enorme ardósia negra. Por momentos, recuamos no tempo — olho à volta e vejo bibes pendurados num bengaleiro, um busto da República (só não se colocou, por motivos óbvios de bom senso, um retrato de Oliveira Salazar, como era costume então) no topo de um armário e dois globos terrestres a ladear a entrada.

[A par dos objectos antigos, este é um hotel urbano que aposta igualmente em peças de designers contemporâneos (@joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas não há chamadas ao quadro, nem reguadas, nem puxões de orelha.

Trata-se de um mero exercício lúdico, muito bem trabalhado pelo designer de serviço, Miguel Câncio Martins — que dispensa maiores apresentações, tamanha tem sido a repercussão de trabalhos internacionais como o Buddha Bar de Paris ou o Pacha de Marraquexe —, com a total cumplicidade do presidente executivo do grupo, Miguel Júdice.

Pelo perfil do hotel, urbano e informal, duvido que a maior parte dos seus hóspedes tenha mais de 40, 50 anos. Assim sendo, para muitos deles, como para mim, as memórias aqui evocadas são mais as dos nossos pais e avós do que as nossas, mas a memorabilla diz-nos algo. Ela faz parte do nosso património afectivo.

E não haja equívocos. Desde o primeiro momento, fica bem claro que este é um hotel contemporâneo, audaz ao ponto de misturar, sem medos, reproduções das cadeiras plásticas mais famosas assinadas por Verner Panton ou Eames com os tais móveis e objectos — como livros de cordel, uma máquina de escrever Royal, planisférios, posters dos anos 1940, réguas, esquadros... — que habitaram o quotidiano de várias gerações de portugueses na primeira metade do século XX.

[A suite 18, a preferida do designer Miguel Câncio Martins (foto de divulgação)]


Feito o check in, depressa descubro que me calhou em sorte o nº11. Há apenas 13 quartos e seis suites, distribuídos pelo primeiro e segundo andares. A preferida, e também a mais fotografada, do Miguel Câncio Martins é a suite 18, sendo que duas delas possuem um atractivo extra: camas Hästens, a tais que são fabricadas artesanalmente na Suécia, sendo consideradas, até pelo preço astronómico, o Rolls-Royce dos leitos.


[Todos os quartos e suites possuem elementos comuns, mas depois variam no tamanho, no formato e nos acessórios (foto de divulgação)]


Ainda não foi desta que tive o prazer de ficar corpo a corpo com a realeza das camas, mas, verdade seja dita, não tive o que reclamar da minha. No geral, os restantes colchões do hotel são de primeira. Comum a todos os quartos também, certos detalhes como as cabeceiras onduladas verde-cítricas e as alcatifas de fundo negro, onde foram impressos, a branco, bonecos, palavras e fórmulas matemáticas desenhados por Câncio e pela sua filha quando esta ainda era criança. No resto, os quartos variam de tamanho, de formato e alternam cadeiras e outras peças mais ou menos utilitárias.





[Detalhes dos corredores e do quarto nº11, o que me coube em sorte (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Nos corredores, a branco e amarelo (para lembrar as cores dos bibes escolares, segundo Câncio), no lugar de placas há ardósias penduradas com o número dos quartos escritos a giz. Nas portas, em vez da placa "Do not disturb/Please make up my room", uma outra onde se lê "Studying hard/Out playing".

[A placa para colocar na porta do quarto alinha pelo mote do hotel (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Sempre a escola. E nem por coincidência, quando me chego à janela, além do Tejo (não chego a avistar a Basílica da Estrela, mas há quem tenha essa sorte de outros quartos), oiço a chilreada das crianças no recreio. Nem de propósito.

[O amanhecer na Estrela (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O serviço é afável e informal. Por isso mesmo, indicado para uma clientela mais jovem, capaz de apreciar a maior liberdade de movimentos e o facto de estar num hotel que consegue ter vivência de bairro, sem deixar de ser cosmopolita.

O Hotel da Estrela e o seu principal mentor, Miguel Júdice, não escondem que querem receber quem vem de fora, sem se esquecerem de prestar um serviço a quem vive em Lisboa.

Como?

[O pequeno jardim e a esplanada, com acesso directo pela rua, nas traseiras do hotel (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No piso menos dois, ligados a uma esplanada e a um pequeno jardim (por agora, enquanto as árvores não crescem, o lago e os poufs à volta são o maior atractivo) com entrada directa pela rua, funcionam o bar e o restaurante Cantina da Estrela.

[O bar, com várias cadeiras de Eames (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Do segundo, porque se presta a isso, falarei num próximo post. Mas posso já adiantar que foram pensados para atender as necessidades dos hóspedes — o buffet de pequeno-almoço é servido ali, por exemplo —, mas que boa parte da sua graça está em serem um chamariz eficaz para atrair ao local quem não está só de passagem na cidade. 

[O pequeno-almoço do Hotel da Estrela (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

E isso, para mim, é quase sempre uma mais-valia num hotel.

Rua Saraiva de Carvalho, 35, tel. 211 900 100, quartos duplos desde €159 por noite
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