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31.5.12

fora de portas: reviver a pompa e circunstância de seteais a pretexto dos bons vinhos de colares

[Fachada do Tivoli Palácio de Seteais (foto de divulgação)]

As horas, os dias, as semanas, os meses, e até os anos, passam a correr e, quando damos por eles e por nós, já passou um bom tempo desde que estivemos pela última vez num lugar de que gostamos.

[A piscina (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

É o caso do Palácio de Seteais, na encosta da serra de Sintra, onde funciona desde há muito um hotel do grupo Tivoli que soube manter a sua aura palaciana e valorizar um tipo de arquitetura civil e residencial neoclássica típica do século XVIII que, não há volta a dar, pede requinte, serviço sem mácula e toda uma série de ornamentos — das pinturas e frescos às tapeçarias, passando pelo mobiliário de época, luminárias ou porcelanas — que lhe façam inteiramente justiça.

[Um dos salões nobres (foto de divulgação)]

Entre fevereiro de 2008 e fevereiro de 2009, o hotel-palácio esteve fechado para um restauro profundo que envolveu, entre outras, a Fundação Ricardo Espírito Santo. Não foi coisa pequena e o resultado vê-se até hoje.

[A escadaria na entrada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pour le plaisir des yeux — um regalo para os olhos.

Mas, para lá da pompa e circunstância das suas áreas nobres, que sempre me levam a reservar alguns minutos para as passar em revista (nem que seja de fugida), o que me trouxe de volta ali, dias atrás, foi a paparoca.

[Chef Luís Baena (©joão miguel simões todos os direitos reservados)]

O chef Luís Baena, um discípulo assumido da cozinha tecnoemocional sempre que o faz num registo mais autoral (e tentou fazê-lo no seu restaurante lisboeta Manifesto que, ao que tudo indica, encerra as portas no mês de junho...), ocupa — desde 2007, se não me falha a memória — o cargo de chef executivo do grupo Tivoli Hotels & Resorts.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Não é pêra doce e obriga a um bom jogo de cintura, já que tem de estabelecer, constantemente, um compromisso entre o que é a sua linha de cozinha e as necessidades práticas dos hotéis.

No caso de Seteais, onde funciona um restaurante com o mesmo nome de amplas vistas para os maravilhosos jardins, o chef em funções é António Santos, mas Baena, claro, tem uma palavra a dizer.

[O restaurante Seteais (foto de divulgação)]

Ainda que os hóspedes sejam a prioridade, o hotel sabe que atrair clientela de fora é fundamental nos dias que correm. Tanto mais porque Sintra continua a ser um destino incontornável para os passeios de fim-de-semana de muito boa gente.

Nesse sentido, e ajuizadamente parece-me, têm vindo a apostar em cartas mais nacionais, com uma degustação preparada no famoso trolley da Christofle nos jantares de sexta e sábado ou ainda um carro-buffet de 18 acepipes servido nos almoços de domingo. Igualmente tentadores são os lanches à portuguesa, outra tradição recuperada aos fins-de-semana, entre as 16.00 e as 18.30, que incluem pães, queijos e charcutaria regionais, além de bebidas mais adequadas ao verão (sumos naturais, capilé...) e inverno (chás da TWG e chocolate quente).

[A postos para a maridagem com os vinhos de Colares (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No almoço em que estive, uma ocasião especial, Baena assumiu a cozinha e veio inúmeras vezes à sala para explicar o casamento que realizou entre os vários pratos e os vinhos selecionados da Adega Regional de Colares.

[A salada de mexilhões (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Assumo: do que comi — salada morna de mexilhão com legumes temperados com vinagrete de ananás, maracujá e goiaba, de entrada; robalo recheado com cogumelos e tomate, puré de batata, crosta de salsa e molho de camarão da costa; carrilheira de novilho confitada, arroz cremoso de beterraba fumada; e travesseiro de Sintra com gelado de chá preto dos Açores de sobremesa —, nada me entusiasmou por aí além, mas entendo que se tratava de um menu mais abrangente, com limitações de ordem prática e a obrigação, provável, de cumprir um orçamento.

[O Robalo (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Por outro lado, foi interessante ouvir o Aníbal Coutinho, enólogo, crítico de vinhos e consultor da carta de bebidas da rede Tivoli, a explicar porque se impõe uma maior atenção às novas colheitas (e não só) que estão a sair da mais antiga cooperativa do país — a Adega de Colares foi fundada em 1931 —, integrada numa região demarcada que leva a denominação de origem e a indicação geográfica de Vinho Regional Lisboa.

[O travesseiro com o gelado de chá preto, a acompanhar o licoroso Conde de Oeiras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Curioso é que muitos não saibam, mesmo os portugueses, que na região de Lisboa se produzem bons vinhos desde há muito. A prová-lo, não só os de Colares — de que fazem parte os do Senhor d'Adraga, do Casal de Santa Maria e de quem já falei aqui —, mas também o Conde de Oeiras, para dar outro exemplo. Este vinho licoroso, muito associado ao Marquês de Pombal, foi-nos aliás servido com a sobremesa, numa manobra de charme que atesta bem a vontade em recuperar também o Vinho de Carcavelos.

À falta de outras oportunidades, ficam a saber que em Seteais alguns destes vinhos estão na carta e podem ser desfrutados por quem ali for. 

Tivoli Palácio de Seteais | Rua Barbosa do Bocage, 8, Sintra, tel. 219 233 200

26.5.11

fora de portas: fortaleza do guincho, parte 2 | o chef, a estrela, a adega e o conceito

[O mar não é apenas uma vista de cartão postal na Fortaleza do Guincho, ele está também muito presente na carta do restaurante (©paulo barata)

Ganhar uma estrela Michelin não é fácil, mas bem mais difícil é mantê-la por anos a fio sem fazer "apenas" mais do mesmo

O restaurante da Fortaleza do Guincho, aberto há tantos anos quanto o hotel, ganhou a sua pela primeira vez em 2001, numa altura em que o feito era praticamente inédito entre nós.

Nos últimos anos,  o restaurante juntou uns quantos prémios ao seu palmarés  — inclusive acaba de ser distinguido, uma vez mais, com o Garfo de Ouro, atribuído pelo guia Boa Cama, Boa Mesa 2011, do jornal Expresso —, mas, ainda que praticamente todos lhe reconheçam excelência e  constança, não desperta o mesmo entusiasmo de uma novidade.

Um exemplo disso foi o artigo recente do crítico espanhol Carlos Maribona — já lhe fiz referência num outro post —, que teceu uma crítica positiva, sem mácula, mas desprovida de paixão.  

E o Guincho-Restaurante não quer críticas mornas. Quer voltar a despertar entusiasmo e a provocar arrebatamento.

[As rochas, com mar batido, sobre as quais a Fortaleza finca os seus alicerces, são lugar disputado por muitos pescadores amadores (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para isso, sabem-no bem, precisam cativar uma clientela mais jovem — mas assumidamente gourmet e disposta a pagar pelos prazeres de uma boa mesa — e contrariar a ideia instalada de que no Guincho se serve uma cozinha francesa pura e dura, sem muito a ver com a realidade e gosto portugueses.

Também por isso, Antoine Westermann, consultor gastronómico desde o início e responsável pela filosofia de cozinha franco-portuguesa na Fortaleza, tem sabido, sem se afastar por completo de cena, delegar cada vez mais no seu jovem e talentoso chef executivo, Vincent Farges, a tarefa de, sem perder a essência, modernizar e aprimorar o conceito.

O que faz sentido, se pensarmos que é Farges, e não Westermann, que está a tempo inteiro ao comando da cozinha. A sua saída temporária, e passagem por lugares como Marrocos e Grécia, foi determinante para o seu crescimento e afirmação no regresso, em 2005, à Fortaleza do Guincho.

[Chef Antoine Westermann, consultor gastronómico, e chef executivo Vincent Farges, dois franceses no comando da cozinha da Fortaleza do Guincho (foto de divulgação)]

De toda a forma, o legado de Westermann (detentor de três estrelas graças ao restaurante Buerehiesel, em Estrasburgo) não foi esquecido, e continua a ser a base, mas hoje Farges tem crédito — e aval — para poder criar e inovar sem estar tão espartilhado por ele. 

A cozinha francesa, rigorosa e formal, de Westermann sempre teve seguidores fiéis na Fortaleza, mas o Guincho não é Estrasburgo ou Paris; nem Portugal é a França — só para dar uma ideia, a atribuição de uma estrela Michelin a um restaurante francês significa, em média, um acréscimo da facturação na ordem dos 25%.

Foram precisos anos para que no Guincho percebessem esta nuance fundamental, mas, comprovada a evidência, Farges pôde, finalmente, enveredar por uma cozinha de técnica irrepreensível francesa, mas mais leve e, cada vez mais, portuguesa.

Ganhar novos clientes, sem defraudar os que se tornaram habitués, não são favas contadas; requer ousadia, mas também uma boa dose de equilíbrio e bom senso — afinal, está também uma estrela Michelin em causa.

[Bastante entrosado com a realidade portuguesa, Vincent Farges tem sido determinante para introduzir na alta gastronomia do Guincho, de base francesa, sabores e texturas lusos (©paulo barata)]

Trabalhar com ingredientes portugueses ao nível da alta gastronomia não é tão fácil como pode parecer à primeira vista. Não porque não tenhamos matéria-prima para isso, mas porque não existe, como em França ou na Alemanha, mercados especializados e os produtores nacionais, por regra, não têm ainda o hábito de baterem à porta dos grandes restaurantes para dar a conhecer os seus produtos. 

Farges não esmoreceu e, cada vez mais seduzido pelo que tem descoberto por cá, vem desenvolvendo um trabalho de campo assinalável, criando a sua carteira de fornecedores — inclusive entre pescadores e mergulhadores, ele que também pratica pesca submarina — e assumindo o risco (calculado) de executar cartas que variam não só em função das estações, mas também (em menor escala) do que há no mercado.

[Os amuse-bouche, que antecedem as entradas e são compostos por shots e composições subtis, revelam desde logo a aposta de Farges nos produtos frescos e, se possível, portugueses (©paulo barata)]

E da cozinha passo à adega. Para muitos, sobretudo para quem leva a peito estas coisas, dois prazeres  indissociáveis.

Com mais de 800 rótulos, provenientes de todo o mundo, a adega da Fortaleza do Guincho tem fama — e pressuponho que o proveito — de ser uma referência nacional e internacional, como o comprova a atribuição, por quatro anos consecutivos entre 2007 e 2010, do Best Award of Excellence por, nada mais, nada menos, do que a "bíblia" do sector: a revista norte-americana Wine Spectator

[Sommélier Inácio Loureiro, eleito o melhor de Portugal, em 2010, por diversas revistas da especialidade (©paulo barata)]

Por cá, louros também não lhe faltam; em especial para Inácio Loureiro, sommélier da casa desde 2007, que foi eleito, em 2010, o melhor da sua categoria por diversas revistas da especialidade.

Por regra, fala-se menos dos escanções, mas num restaurante deste gabarito, a marca que imprime pode até ser discreta, mas não deve nunca passar despercebida ou ser indiferente. Cabe a ele harmonizar cada prato, se for esse o desejo do cliente, com um vinho diferente. 

Nas últimas degustações, nota-se uma aposta muito forte nos vinhos do Douro, o que, a julgar pelo que se lê e escuta aqui e ali, se tem revelado uma escolha certeira. 

Há quem ache — como Carlos Maribona, voltando ao crítico espanhol — a carta de vinhos da Fortaleza do Guincho muito cara, mas não há registo — pelo menos recente ou digno de nota — de alguém capaz de lhe encontrar uma falha ou lacuna imperdoáveis.

Posto isto, e porque não era suposto tornar este texto demasiado longo ou técnico — ou em conversa de "gastrochatos", para utilizar uma expressão mais divertida —, fica desde já prometido que o próximo, e derradeiro, post será para contar o meu último jantar no Guincho, onde me foi dada a oportunidade de degustar vários pratos da carta desta estação.

Acredito, porém, que todas estas linhas não foram em vão. Elas têm uma razão de ser. É que certas coisas — ou melhor, certos prazeres — ganham um outro sentido, e sabor, quando sabemos como se chegou até ali.

Estrada do Guincho, Cascais, tel. 214 870 491
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