4.1.12

de olho nas cartas de inverno e no que promete a abrir o novo ano

[José Avillez, o homem mais falado do momento graças à abertura do Belcanto (foto de divulgação)]
Por estes dias, o assunto, por mais voltas que se dê ao texto, é quase só um: abriu ontem, finalmente, o tão aguardado Belcanto de José Avillez.

E se dúvidas houvesse de que o assunto extravasa este pequeno retângulo à beira-mar plantado, bastaria ver como a notícia depressa se propagou — muito graças às redes sociais — e atingiu em cheio o milieu gastronómico brasileiro e espanhol, onde Avillez já conquistou o seu séquito de seguidores atentos. Não são todos que se podem gabar do mesmo. Não mesmo.

[Uma das primeiras imagens conhecidas do novo Belcanto (foto de divulgação)]

Como ainda não fui até lá — mas conto fazê-lo muito em breve —, não me vou alongar muito mais; não resisto, porém, à laia de teaser, a reproduzir abaixo a ementa já divulgada do Belcanto:

Entradas:
Cavala marinada e braseada, confettis de legumes avinagrados e pinhão (2011) 
No bosque depois da caça, cremoso de perdiz, perdiz em escabeche e legumes (2011) 
Quente e frio de castanhas e sapateira (2010) 
A horta da galinha dos ovos de ouro, ovo, pão crocante e cogumelos (2008) 
Paisagem alentejana, pezinhos de porco de coentrada à nossa maneira (2008)
Arroz de “cabidela vegetal” com enguia fumada (2010)

Peixes:
Mergulho no mar, robalo com algas e bivalves (2007)
Salmonete, molho dos fígados, ovas vegetais, raízes e tubérculos (2011) 
Lavagante em 2 serviços (2011) 
“Açorda” de bacalhau com ovo BT (2011) 
Raia - Jackson Pollock (2011)

Carnes: 
Cordeiro com puré de escabeche de legumes e pequeno ensopado (2010) 
Bife à Belcanto (2012)
O cubismo da vitela, bochecha, lombinho e mãozinhas, feijão papo de rola e creme de alho (2011) 
Pombo à “Convento-de-Alcântara” (2011)

Sobremesas: 
Tangerina 
Laranja e Xisto, merengue, chocolate, castanha trufada, limão, rum, peta zetas e milho lyo 
Outono de chocolate e avelã 
Pastel de nata em mil-folhas com gelado de canela
Degustação de gelados e sorvetes
Prato de queijos portugueses

Apenas mais um lamiré, só para dar uma ideia dos preços. Além do à la carte, o chef concebeu dois menus de degustação, com três e seis pratos, que estão disponíveis por um valor de €55 e €72,50 respetivamente.

Quem já estava no mercado, felizmente, não dormiu no ponto e, mais do que reclamar do aumento do IVA para 23% na restauração, tratou de pensar em novas cartas de Outono-Inverno para manter a clientela pelo beicinho.

E já que este post não se trata, confessamente, de um test drive, vou continuar a destacar o que só vi, mas ainda (salvo um caso ou outro) não provei — mais por falta de tempo do que por falta de vontade, por mais que os últimos dias tenham sido, para todos, de comilança exagerada.

Mas vamos lá.

100 Maneiras | Ljubomir Stanisic

[Carpaccio de pato com foie gras, redução de vinho Madeira, sementes de abóbora e uvas (foto de divulgação)]

Começo pelo incansável Ljubomir Stanisic e seus três — sim, já são três! — restaurantes 100 Maneiras em Lisboa. Com livro novo nos escaparates (falei dele aqui), Ljubo não tem tido parança desde que se deu a conhecer como jurado do MasterChef, mas, juntamente com os seus braços direito e esquerdo (os chefs João Simões e Filipe Lourenço), renovou as cartas de Inverno.

[Vieira corada com flor de sal, espuma de batata e chips de topinambur (foto de divulgação)]

No cabeça de cartaz, o menu de degustação a €40 (mais €35 para quem quiser fazer a maridagem dos pratos com vinhos)  inclui cinco entradas, dois pratos principais e duas sobremesas, reproduzido abaixo:


No Bistro, as coisas mantêm o seu curso natural, mas com uma abordagem mais invernal, e no Nacional o destaque vai para os seis menus de degustação, com preços entre os €30 e os €60, de que reproduzo abaixo o mais em conta:


Bocca | Alexandre Silva

["A Rúcula, a Chufa, o Salmão e a Maçã": salmão curado com óleo de noz e pimenta rosa, maçã caramelizada, chufa torrada e vichyssoise de rúcula (foto de divulgação)]

Ao longo do último ano, escrevi inúmeras vezes sobre o Bocca (aqui e em revistas) e nunca escondi que admiro a forma como ali se trabalha — não é à toa que é procurado por cada vez mais jovens cozinheiros para estagiar. Não sou o único a notá-lo, pois muitos outros colegas, bem mais entendidos nestas lides do que eu, também o tem destacado entre as melhores mesas de Lisboa e Portugal neste momento.

["A Cavala Fumada, o Ananás e os Pickles": filete de cavala fumado com molho de ananás e limão, pickles suaves de legumes (foto de divulgação)]

Com uma presença constante nas redes sociais, Alexandre Silva foi dos poucos chefs portugueses que se deu ao trabalho de ir assistir ao festival Gastronomika 2011, um dos mais importantes do género; faz ainda questão de ser ele mesmo a fotografar os seus pratos (são suas as fotos que aqui publico para ilustrar a carta de Inverno) e vai agora, de meados de Janeiro a meados de Fevereiro, passar uma temporada a investir na sua formação no seio do mega-estrelado El Celler de Can Roca, na vizinha Espanha.

[Amuse-Bouche, umas das hortas comestíveis criadas por Alexandre Silva seguindo tendência atual (foto de divulgação)]

O Bocca, que partir do dia 10 passa apenas a servir jantares mas fica aberto de segunda a domingo, continua a apostar na cozinha tecnoemocional, logo experimental, mas muito abordável pela forma como trabalha os produtos portugueses e brinca com a memória sensorial que temos dos mesmos. A  nova carta pode ser consultada aqui. Nela, noto que Alexandre Silva seguiu a tendência atual, tão cara a superchefs como o britânico Heston Blumenthal, e criou igualmente a sua versão de hortas comestíveis.


["Horta Doce": pudim de cenoura com gelado de aipo, abóbora caramelizada, tomate cristalizado e terra de chocolate (foto de divulgação)]


Flores | Vasco Lello

[Creme de Castanhas com tortulhos e lascas de queijo São Jorge (foto de divulgação)]

Tive oportunidade de narrar aqui o almoço em que o jovem chef Vasco Lello se deu a conhecer como a nova aposta do restaurante Flores, ao Bairro Alto Hotel.

Desde então, confesso, perdi-o um pouco de vista, mas acho que não aconteceu só comigo. Claro que um restaurante de hotel tem de atender a outras necessidades, e imposições de ordem prática, que dificultam a sua afirmação no campo mais autoral.

[Naco de Vitela Maronesa frito com alho e louro, batata ponte nova, nabiças, cogumelos e gema de ovo (foto de divulgação)]

Mas não há outra forma de dizê-lo: até hoje, de todos os que por ali passaram, foi Henrique Sá Pessoa quem deu maior visibilidade ao Flores. Ainda assim, o Bairro Alto Hotel, justiça lhe seja feita, não cruza os braços e mantém uma dinâmica muito própria com a movida do Chiado e do Bairro [Alto].

 
[Novilho assado com zimbro, molho de vinho tinto, acelgas e escorcioneira (foto de divulgação)]

Para a carta agora vigente, a de Outono-Inverno, Lello escolheu sabores robustos e texturas crocantes, misturando coisas tão portuguesas como os tortulhos, o zimbro, a compota de marmelo ou as castanhas, que se repartem pelo cardápio reproduzido abaixo: 

Entradas:  
Creme de Castanhas com tortulhos e lascas de queijo S. Jorge | 6,5 €  
Abóbora Assada com mel de Urze, requeijão temperado com Serpão | 8 €  
Cavala Fresca e Fumada com Castanhas com erva-doce e um travo de Jeropiga | 9 €  
Vieiras numa espuma de crustáceos com Ovas de salmão, algas nori em puré de xeróvias | 8€  
Lombo enguitado com queijo de cabra e pêra rocha | 10,5 €  
Foie Gras com flor de sal e pimenta sobre folhas verdes | 12,5€ 

Peixes: 
Bacalhau em Azeite e cebola, Guisado de sames e feijão papo de rola | 23€  
Cherne braseado com Coentros e amêijoas, milho cremoso e algas | 24,5€  
Salmonete assado com batata-doce e sumagre, almôndega de camarão com bisque e espargos do mar | 21,5€  
Lombo de tamboril com naco de fígado, limão e cominhos, abóbora e piso de agriões | 18,5€ 

Carnes:  
Novilho assado com zimbro molho de vinho tinto, acelgas e escorcioneira| 21€  
Bochecha de porco preto e “manta” assada com feijoca, couve, enchidos e compota de marmelo | 22,5€  
Pato sobre massa fresca de legumes, gengibre, soja e molho de ameixas | 18,5€  
Naco de Vitela Maronesa frito com alho e louro, batata ponte nova, nabiças, cogumelos e gema de ovo | 24€ 

Sobremesas:  
Bolo de chá verde com creme de jasmim e gomos de dióspiro | 7,5€  
Bolo de chocolate, Mousse de café, gelado de caramelo | 9,5€  
Tarte de maça com gelado de frutos secos | 7€  
Arroz doce com torta de laranja e gelatina de canela | 8€ 

O menu de degustação, que inclui os vinhos e cinco pratos escolhidos pelo chef a partir do menu, sai por €45. 

Ipsylon | Cyril Devilliers

[Cyril Devilliers, o próprio, senta-se à mesa com os convidados numa proposta "The Chef's Table" (foto de divulgação)]

No final do ano passado, a pretexto do "Diner du Chef" (contei tudo aqui), acabei por ir conhecer o projeto The Oitavos, já fora de portas.


Na altura, gabei uma série de coisas, percebi o esforço em fazer do Ipsylon (e demais restaurantes dentro do resort) uma proposta de maior público, sem perder o seu toque autoral, e não me passou ao lado a bonomia do chef Cyril.


Não é uma tarefa fácil; por inúmeras razões, mas posso ficar-me por uma: a localização, junto ao mar, num dos trechos mais cobiçados da Quinta da Marinha, é esplêndida, só que não há ainda em Portugal, salvo raras exceções, a cultura de nos deslocarmos a locais isolados, e ainda para mais envoltos numa aura de exclusividade, apenas com o nobre propósito de comer.


Lá chegaremos, como me confidenciou um dia destes o Chefe Cordeiro (mais isso fica para outro post), mas, para já, não são favas contadas.


Seja como for, e tirando partido da tal veia de anfitrião de Cyril, o Ipsylon passa, a partir do dia 12 deste mês, a proporcionar, nas noites de quinta, sexta e sábado (mediante reserva antecipada), a experiência "The Chef's Table".


Para um mínimo de duas pessoas e um máximo de seis, a boa ideia consiste em partilhar a mesa — e não é uma mesa qualquer, é uma mesa na cozinha, onde tudo acontece — com o próprio Cyril, que não se fará rogado em escolher o vinho ou em sugerir os pratos confecionados com o que de melhor, e  mais fresco, encontrou nesse dia no mercado.


Com um custo de €70 por pessoa, esta fórmula de jantar inclui várias entradas, um prato principal, uma sobremesa  e até uma garrafa de vinho por cabeça. 

19.12.11

momo

[A entrada do MoMo, no Casino de Lisboa (foto de divulgação)]


A oriente, inaugurado em finais de Novembro no Casino de Lisboa, há um novo restaurante que se diz pan-asiático e não esconde ao que veio.

Confesso que quando ouvi pela primeira vez o seu nome, MoMo, fiquei intrigado... Tinha lido que o empresário argelino Mourad Mazouz, há muito radicado na capital britânica, havia decidido exportar o conceito do seu Momo londrino até Beirute e, de repente, quase acreditei que Lisboa pudesse ter sido eleita para nova réplica.

[A decoração é assinada pelas arquitetas Cristina Santos Silva e Ana Menezes Cardoso (foto de divulgação)]

Não foi o caso.

Trata-se, tão-só, de uma coincidência — já agora, o nome remete-nos para os populares dumplings, bolinhos de massa de pão cozidos a vapor sobre um caldo de carne ou legumes —, sem que isso cause algum constrangimento ou melindre ao grupo Lágrimas Hotels & Emotions. 

[Pé alto e grandes vidraças criam um espaço mais impactante (foto de divulgação)]

Com provas dadas em restaurantes e hotéis de norte a sul de Portugal, este grupo viu no espaço vago do último andar do Casino de Lisboa, no Parque das Nações,  uma oportunidade de negócio e, num tempo recorde, tratou, sem cair no explicitamente óbvio, de recriar ali uma atmosfera oriental condizente com o conceito. A boa vista é outro dos seus trunfos.

[Os vasos chineses, à entrada, vieram do Hotel Infante Sagres (foto de divulgação)]

Preto e encarnado são os tons dominantes. Miguel Júdice, o CEO do grupo, acompanhou de perto todo o processo, mas quem assina a decoração é a dupla de arquitetas Cristina Santos Silva e Ana Menezes Cardoso, que viveram um bom tempo em Macau. Foi dele, porém, a ideia — e o risco assumido — de trazer dois enormes vasos chineses, legítimos, do Hotel Infante Sagres, no Porto, para dar outra imponência à entrada do MoMo.

[O layout moderno contrabalança os toques orientais da decoração (foto de divulgação)]

Claro que o MoMo não pode ser alheio ao facto de se encontrar num casino e de fazer parte das suas ofertas. Isso obriga-o a um ritmo específico e explica a aposta no conceito pan-asiático, exótico quanto baste, mas abrangente e simplificado o suficiente para proporcionar, em diferentes níveis, uma viagem gastronómica que pisca assumidamente o olho aos que ainda não ousaram render-se por completo às delícias da cozinha oriental.

[A boa vista é outro dos trunfos do MoMo (foto de divulgação)]

Como num cruzeiro com diferentes escalas num mesmo itinerário, o MoMo propõe-se, ao misturar na carta pratos de procedências várias como a Tailândia, China, Vietname ou Índia, dar a provar e a conhecer — sem sair da zona de conforto, mas com toque autoral — novas combinações, sabores e texturas. Para quem nunca provou, funciona como uma iniciação; para quem já ousou ir além, não será tão inovador, mas apresenta uma relação custo-benefício bem interessante.

[Paulo Morais, o chef do Umai, foi quem desenhou a carta do MoMo (foto de divulgação)]

Para isso a contribuição de Paulo Morais, que desenhou e testou a ementa, foi determinante. À frente do Umai, com Anna Lins, o chef é visto entre os seus pares como uma referência incontornável quando se fala de cozinha asiática em Portugal, pelo que muitas vezes é chamado a prestar consultadoria em outros projetos. Foi o que aconteceu aqui: ele não está no comando do MoMo, mas as criações são suas.

[O bacalhau, um dos pratos mais felizes do MoMo (foto de divulgação)]

Entre tudo o que pude ali degustar num jantar de apresentação — e foi muita coisa! —, ficou-me sobretudo na memória um prato assinado por Morais que tem tudo para agradar e surpreender os amantes do fiel amigo: bacalhau fresco assado com molho de miso, yakimeshi e salada de legumes assados. É daquelas combinações que, embora com o seu quê de inusitado, resultam num final feliz.

[O caranguejo de casca mole crocante (foto de divulgação)]

Também apreciei o caranguejo de casca mole crocante, uma iguaria bastante comum no Brasil, e o facto de algumas sobremesas do Grupo Lágrimas que já se tornaram "clássicos", como o pão-de-ló ou o crème brûlée, se apresentarem revisitadas e em novas companhias. Nos vinhos, à falta de asiáticos credíveis, optou-se por vinhos europeus (Portugal incluído, claro) capazes de complementar e enaltecer o equilíbrio entre o doce, o salgado e o picante deste tipo de pratos.


[Uma cozinha de fusão agradável à vista e acessível à maioria dos palatos (foto de divulgação)]


Os preços à la carte são acessíveis, com entradas na ordem dos €10-€12, pratos a menos de €20 e sobremesas entre os €4 e €8. Vale, no entanto, a pena destacar a fórmula dos menus-expresso, pensados para quem está com pressa de jogar ou ver um espetáculo e quer ser servido em 30 minutos, que saem por €25 em cinco combinações possíveis:

Menu Japão: camarão tigre e novilho grelhado com yakimeshi e legumes salteados 
Menu Tailândia: caril verde com peixe e marisco e arroz de jasmim; som tom Thai; salada de papaia verde 
Menu Índia: vieiras em espuma de caril; pão naan com chutney; salada de arroz tufado com ervas aromáticas; kofta de borrego 
Menu Vietname: rolo de papel de arroz com legumes; phô bó (caldo de carne); salada de manga e camarão 
Veggie Pan Asian: couve pak choi salteada; mini crepes de legumes; beringela chinesa grelhada com molho de miso; pad thai (massa salteada com tofu e legumes)

[O sashimi, a par do sushi, está presente em força no menu (foto de divulgação)]

A considerar igualmente, o menu de degustação, com sete pratos e uma sobremesa escolhidos pela casa, que sai por €42. O MoMo pretende ainda ser uma opção fiável para quem quer simplesmente comer sushi e sashimi.

Casino de Lisboa, Alameda dos Oceanos, Parque das Nações, de ter. a sáb., entre as 19.30 e a 01.00. Por se encontrar dentro do casino, o MoMo está aberto apenas a maiores de 18 anos.

15.12.11

cantinho do avillez

[É assim o Cantinho do Avillez, ao Chiado (fotos de divulgação)]

E ontem, quem segue José Avillez no Facebook ficou a saber que, entre bifanas, entrevistas, conferências de imprensa e fotos com António Lobo Antunes, Anthony Bourdain, o homem de quem tanto se falou e escreveu nas últimas semanas a propósito do "No Reservations" que veio gravar a Lisboa para ir ao ar em Abril, arranjou tempo para dar o ar da sua graça no Cantinho do Avillez.

Foi o próprio chef — ou quem lhe faz a assessoria — que não resistiu a partilhar uma foto da foto no seu mural. Não é para menos. Bem ou mal, todos parecem ter alguma coisa a dizer sobre Bourdain, pelo que não custa nada aproveitar a "boleia" mediática. 

[José Avillez no seu Cantinho (foto de divulgação)]

Não que Avillez precise. Com casa cheia (no sábado passado, só consegui reserva para o turno das 22.30 e ainda assim com alguns dias de antecedência) e a imprensa toda à sua roda, só os muito distraídos é que ainda não deram pelo seu Cantinho num dos recantos mais sossegados do Chiado, pouco abaixo do São Carlos.


[Arquitetura de Ana Anahory e decoração de Felipa Almeida (foto de divulgação)]


Entre o pronto-a-comer das empadas (já aqui devidamente testadas e comentadas) e a papa fina do tão aguardado Belcanto — também no Chiado, paredes-meias com o Largo do chef Miguel Castro e Silva, passei à sua porta dias atrás e não me pareceu para já, mas posso estar enganado... —, o Cantinho é assim, à primeira vista, uma espécie de meio-termo.


[A instalação de Joana Astolfi tornou-se a "imagem" do Cantinho (foto de divulgação)]


E que ninguém leia nas entrelinhas um reparo negativo.


[Procedências diversas para um ambiente cheio de detalhes (foto de divulgação)]


O Cantinho é, assumidamente, um espaço de cozinha simples, mas com toque de mestre, destinado a servir pratos do dia-a-dia de forma criativa, em ambiente descontraído e com uma boa relação qualidade-preço.


[Talheres da Costa Nova e pratos do pão de um serviço de louça criado por Bordallo Pinheiro, são vários os apontamentos portugueses (foto de divulgação)]


E, posso adiantar-me desde já, cumpre o seu objetivo perfeitamente. Poderá até defraudar alguns, que possam ir ali ao engano à procura do que certamente só irão encontrar no Belcanto, mas acho que ninguém poderá dizer que não vale o que custa.


Arrisco mesmo dizer que vale mais do que custa. Porque, a verdade é esta, não é caro para aquilo a que se propõe (e cumpre).


Avillez, escrevi-o antes, não tem pruridos em colocar o seu nome em projetos mais comerciais. É novo, talentoso e ambicioso, mas é também um homem de negócios. Já o provou e eu não vejo mal nisso. É até uma das coisas que admiro e que me ajudam a equilibrar a sensação de que, independentemente do seu inegável talento, é muitas vezes levado "ao colo" pela crítica lusa (e não só).


Avillez, é um facto, agrada. 


O Cantinho, como o nome já indicia, é pequeno, mas não atrofia. Depois da entrada, e antes da cozinha, a mesa comprida mais desejada, mas que resulta apenas para grupos, fica junto ao nicho onde a artista plástica Joana Astolfi encavalitou peças de outros tempos que todos reconhecemos. A memorabilia pegou e é hoje o cartão de visita da casa.


À esquerda, para quem entra, a única sala propriamente dita, onde os detalhes pensados por Avillez e pela decoradora Felipa Almeida saltam ou não à vista. Depende do "olho" e da informação que se leva.


Candeeiros vintage e cadeiras desirmanadas. O recurso não é novo, mas ajuda ter, entre peças com ar Ikea e outras arrematadas na Feira da Ladra ou em leilões do eBay, umas quantas reproduções coloridas da cadeira DSW de Charles & Ray Eames.


Há ainda uma parede que parece ser de madeira demolida, mas que é afinal papel trompe-l'oeil. Pra valer, gostei mesmo muito dos pratos e talheres da Costa Nova, dos pratos do pão do serviço "Couves" da Bordallo Pinheiro, das pequenas assadeiras em ferro da Staub ou até de algumas peças desenhadas por Avillez.


Pode parecer que estou a dar demasiada atenção aos detalhes. Porventura, até estou. Mas eles são importantes para entender, e apreciar, aquilo a que Avillez se propõe na sua carta.


A profusão de petiscos na mesma, bem como de entradas que se prestam a ser partilhadas, poderiam levar-nos a pensar que se trata de mais uma tasca ou taberna moderna, mas não é por ai. Os petiscos portugueses, mais ou menos tradicionais, estão lá, mas há também receitas familiares, criações novas e outras claramente influenciadas por viagens.


[A farinheira com crosta de broa e coentros (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Nas entradas, resisti às vieiras marinadas com creme de abacate (que provara antes, na edição deste ano do Peixe em Lisboa) e aos peixinhos da horta, e partilhei à mesa uma dose de farinheira com broa e coentros (gosto de farinheira do jeito que for, mas esta versão fica deliciosamente crocante) e outra de empadinhas de perdiz, bacon e cebolinha (massa boa, seca e fina: recheio aveludado e apaladado).


[As empadinhas de perdiz, bacon e cebolinha (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Antes disso, o couvert, composto por pães da Quinoa (a padaria artesanal do Chiado, de quem falei aqui, é uma parceira), azeitonas, manteiga e paté de tomate (delicioso!), entreteve muito bem o nosso palato.


[Os ingredientes do Prego MX LX (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Como prato, não resistimos e escolhemos um que, de tão comentado, se tornou um "must have" da casa: o famoso prego MX LX. Inspirado pelos tacos mexicanos, Avillez idealizou um esquema que mata dois coelhos de uma cajadada só. A ideia é simples: cada um monta o seu, dispondo para isso de tirinhas de carne de vaca, servida numa frigideira, e de ingredientes como malagueta, guacamole, lima ou cebola roxa, servidos em tacinhas, que devem depois ser enrolados a gosto em tortillas de milho.


[Cada um monta o seu prego nas tortillas de milho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


É o tipo de coisa que resulta em cheio e que muitos vão querer experimentar em casa.


[Sorvete de limão com manjericão e vodca (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Para sobremesa, um sorvete: cubos de limão com manjericão e vodca, só porque precisávamos de algo para limpar o palato, que fosse ao mesmo tempo leve e refrescante. Touché.


[Nos vinhos, um branco e um tinto produzidos por Avillez e José Bento dos Santos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Não cheguei a experimentar nenhum dos cocktails que Avillez se gaba de ter na carta, mas prestei atenção aos vinhos. Os preços começam nos €12 por garrafa, sendo que há igualmente opções a copo. Escolhemos o tinto JA, que resultou de uma parceria de Avillez com o gastrónomo José Bento dos Santos. Bastante agradável de beber e bom preço: €14 a garrafa.


Na hora do café, Avillez confia num outro parceiro de peso, a Nespresso. Sei que é, cada vez mais, recorrente nos restaurantes, mas não me conformo. Não troco nenhum Nespresso por um bom café expresso tirado como deve ser. 


No final, uns muito razoáveis €20 por cabeça, gorjeta incluída, e satisfação generalizada de quem me acompanhava nessa noite.


O próximo jantar, já deixámos apalavrado, será no Belcanto, assim abra ele em breve.

Rua dos Duques de Bragança, 7, tel. 211 992 369, almoços, de seg. a sáb., entre as 12.30 e as 15.00; jantares, de seg. a sáb., entre as 19.30 e as 00.00
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