8.2.12

é inverno, mas, no pedro e o lobo tudo, da comida ao décor, parece uma sonata de outono

[Vista geral da sala (foto de divulgação)]


Há males que vêm por bem.


Um acidente, felizmente sem maiores consequências até onde apurei, afastou temporariamente Nuno Bergonse, um dos chefs do restaurante Pedro e o Lobo, e levou a que o menu de Outono se prolongasse pelo mês de Fevereiro.

[Nuno Bergonse e Diogo Noronha de Andrade, os chefs (foto de divulgação)]

Quem conhece este restaurante, na esquina das ruas do Salitre e Nova de São Mamede, sabe que é uma casa para todas as estações (e com cartas sazonais), mas há na antiga galeria dos anos 1950, com as suas linhas retro, tons quentes e layout nórdico, uma elegância que nos remete para o Outono.


Pelo menos, é assim que o vejo e sinto.

[Foto de divulgação]

Aberto há ano e meio, Pedro e o Lobo colocou a fasquia alta e nunca escondeu que tinha por objetivo quase imediato tornar-se um espaço de referência e de moda na cena gastronómica lisboeta.


Ajudou ter entre os seus sócios (são cinco no total) um arquiteto, Luís Baptista que assinou o projeto, e dois jovens chefs, Diogo Noronha de Andrade e Nuno Bergonse, que partilham a cozinha. 


Nada ali foi deixado ao acaso. Da decoração à cozinha, portuguesa e mediterrânica com um toque contemporâneo; das fotografias de Nuno Costa (são quase sempre dele as imagens usadas para divulgação) aos uniformes dos empregados, vestidos pela pluridisciplinar Lidija Kolovrat e pelas marcas Nike e Pepe Jeans.

[Foto de divulgação]


Neste meio tempo, claro que nem tudo correu exatamente como o traçado. Nunca corre.


Muita da estratégia de lançamento do Pedro e o Lobo passou por gerar algum burburinho à volta dos currículos dos dois chefs: Diogo trabalhou no Per Se, de Thomas Keller em Nova Iorque; Nuno Bergonse passou pelas cozinhas do Virgula e do Hotel Ritz, ambos em Lisboa. Os dois conheceram-se no restaurante MOO, em Barcelona, propriedade dos célebres irmãos Roca (a quem pertence também El Celler de Can Roca, com três estrelas Michelin e considerado o segundo melhor do mundo pela revista "Restaurant").


A "mensagem" passou, mas acabou também por gerar expectativas acrescidas.

[Foto de divulgação]

Diogo Noronha de Andrade é o primeiro a reconhecer que a crise, por um lado, e a necessidade de adaptação à nossa realidade, por outro, os obrigou a rever certos pressupostos: "Estávamos habituados a outro ritmo de trabalho e a outra dinâmica lá fora, onde as cozinhas têm uma maior rotação."


A clientela fiel ao Pedro e o Lobo, bastante diversificada, também os surpreendeu. De início esperavam que a faixa etária mais jovem (e sensível ao "modismo") fosse dominante, mas desde logo, e até pela zona onde se encontram, os executivos vieram em maior número. Sobretudo ao almoço.

[Foto de divulgação]

Essa constatação não os fez mudar de rumo, nem de abordagem, mas implicou um cuidado extra: "Não é o momento para excentricidades. Temos de dar às pessoas aquilo que elas querem, mas bem executado e com alguma inovação", admite Diogo.


Quer isto dizer que estão a jogar pelo seguro, em vez de arriscar e de inovar?


Fiel à cozinha contemporânea, mas ciente das raízes portuguesas, Diogo é cauteloso na resposta, mas claro: "Sentimos, pelo percurso feito até aqui, que o crescimento do restaurante passa muito pela dinâmica de mudar as cartas, de mudar os ingredientes. Há a preocupação de termos sempre alguns pratos de defesa nas nossas cartas, deixando as coisas mais arriscadas para os menus de degustação. Arriscamos, mas com uma escala e consistência."


Por outro lado, e é um dado curioso, Diogo sente que a presença cada vez mais notada de estrangeiros na sala acaba por desempenhar um papel fundamental de contágio: "Por norma bastante informados, os clientes estrangeiros que chegam aqui aventuram-se mais nos pratos que elegem e nas combinações que fazem. E isso passa para os portugueses."


[Foto de divulgação]

Com menus de almoço que mudam a cada semana (preço médio ronda os €20), além das opções à la carte, é sem dúvida ao jantar, com os menus de degustação, que Pedro e o Lobo dá mais largas à sua vocação. A clientela é sensivelmente a mesma ao almoço e ao jantar, mas o contexto é diferente e faz a diferença.


Com muitos outros chefs e restaurantes do panorama nacional, Pedro e o Lobo luta ainda com uma certa inconstância por parte dos nossos fornecedores, o que pode condicionar certas apostas a médio prazo numa carta, mas, entre outros ingredientes, não abdica do peixe português: "Se pudesse, tinha um restaurante só de peixe", continua Diogo.


Mas, nestas coisas, como noutras, o melhor é mesmo passar à mesa. Nem preciso dizer que fui direto ao menu de degustação da ainda reinante carta de Outono.

[O menu de degustação, só servido aos jantares, €42]

No couvert, a abrir a refeição, seguiu-se a máxima "menos é mais". Nada de "invencionices", apenas um pires com azeite e três tipos de pães saborosos (brioche de azeitona, centeio e foccacia). Não é preciso mais; sobretudo quando está ainda tudo o resto por vir...

[O couvert (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Até onde sei, ou me contaram, houve uma fase inicial em que o menu de degustação não incluía um amuse-bouche. Na verdade, não é obrigatório, mas é algo que nos habituámos a esperar e que, como o nome já indica, se presta a espicaçar o nosso apetite. Pois o mimo "extra" ficou por conta de uma batata marcada, envolta em creme, a obrigar desde logo o palato a reagir ao salgado e ao acidulado. 

[O amuse-bouche (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A entrada, propriamente dita, chegou-me num prato fundo, como uma sopa, sob a forma de ravioli de mexilhões e toucinho de porco preto, sabayon de couve-flor e telha de crustáceos. As diferentes texturas, entre a crocância da telha e o aveludado do creme, são o que salta à vista e perpassa para o paladar. Ah, e, mais uma vez, o contraste entre a acidez e o doce.

[O ravioli (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Está aberto o caminho para a segunda entrada, mais intensa no tipo de sensações que provoca. Cogumelos de temporada salteados e confitados, esfera de shoyu, ervilha torta e amêndoas tostadas, um prato que a maioria dos vegetarianos aprovaria (não por acaso, Diogo passou por um restaurante vegetariano em Nova Iorque e isso, de uma forma ou de outra,  nota-se quase sempre num ou noutro apontamento), e que para mim teve como ponto alto o momento em que rompi a "âmpola" de soja e esta se somou aos demais elementos. 

[Os cogumelos salteados (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Primeiro prato, de peixe como manda a etiqueta. Bacalhau suado, arroz de gengibre e açafrão em três texturas, “esparregado” de wakame (uma macroalga), folha de ostra e nozes. Visualmente, muito bonito, a lembrar um bosque (decididamente, a moda pegou entre os chefs de todo o mundo, sendo os bosques "animados" e as hortas comestíveis uma tendência que marcou as cartas de Outono e de Inverno). Como me confidenciaria mais tarde o Diogo, este bacalhau, a par do salmonete, da perdiz e do naco de novilho, é dos que mais sai e agrada.

[O bacalhau suado (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Pois foi esse mesmo naco que se seguiu e, feito o balanço, o prato que mais me agradou em toda a degustação. Servido sobre xisto, o redondo de novilho, cozinhado a baixa temperatura (o que faz com que a carne fique firme e macia ao mesmo tempo), apresentou-se com puré de castanha e funcho, couve de bruxelas, diospiro e emulsão de manteiga. Boa ligação entre todos os elementos e um contraste mais suave — o que preferi, sou sincero — entre entre a acidez e o adoçicado.

[O naco de novilho (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para passar à etapa seguinte, era preciso limpar o palato. Foi o que fez a pré-sobremesa, uma mini tarte de abóbora com pedacinhos de pistácio.

[A pré-sobremesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O grand finale anunciou-se como mousse densa de chocolate, gratin de banana, dacquoise e gelado de avelã. Neste tipo de degustações, mais longas, a sobremesa tem, na maior parte dos casos, uma tarefa ingrata, pois chega num momento em que o bom senso (e mesmo a impossibilidade física) nos pede uma trégua. Felizmente, esta revelou-se equilibrada e nada enjoativa.

[A sobremesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Para rematar, um café. Sem açúcar e sem mignardises.

[O café (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Excecionalmente, este menu de degustação foi-me servido ao almoço (por regra, está apenas disponível ao jantar). Por isso, abdiquei da maridagem prato a prato e fiquei-me pela água e por um copo do tinto Roquette & Cazes. Minto; aceitei ainda a sugestão de um Blandy's Bual (vinho da Madeira) para acompanhar a sobremesa. 

A carta de vinhos não é muito extensa, por opção dos chefs (embora eu não me importasse que tivesse um pouco mais de escolha), e apresenta vinhos e espumantes a copo entre os €3,50 e os €12 e garrafas a partir dos €16.


[A ementa criada de propósito para o jantar de São Valentim]


Uma nota final para dois eventos que vão fugir à "rotina" habitual do restaurante. O primeiro diz respeito ao Dia de São Valentim, no próximo dia 14 de Fevereiro, a pretexto do qual Pedro e o Lobo irá preparar um jantar especial, com um preço de €60 por pessoa (ementa reproduzida acima).


[O menu que irá assinalar a passagem dos dois chefs pelo Algarve no dia 25 de Fevereiro]


Já no dia 25 de Fevereiro, quer o Diogo, quer o Nuno vão trocar a sua cozinha pela do Martinhal Beach Resort & Hotel na vila de Sagres, a sul. Cada vez mais uma prática comum, este tipo de "intercâmbios" são uma boa forma dos chefs darem a conhecer o seu trabalho a outros públicos e de abrirem o seu leque de influências.

Rua do Salitre, 169, tel. 211 933 719, de seg. a sex., almoços entre as 13.00 e as 15.00; jantares entre as 20.00 e as 23.00; encerra sáb., ao almoço, e domingo, todo o dia

4.2.12

O brunch de domingo do the decadente restaurante & bar

[O bar que antecede o restaurante The Decadente (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Estive uns dias ausente de Lisboa, mas antes disso encontrei tempo (e disposição) para ir finalmente experimentar (e conhecer) o brunch de domingo do The Decadente Restaurante & Bar, um dos mais recentes a aportar por estas bandas.



Do brunch, propriamente dito, ouvi uma coisa ali, outra acolá. Nada de muito sólido, ou conclusivo, para criar (demasiadas) expectativas.

[É preciso atravessar a entrada do albergue para ir ao restaurante, nas traseiras (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)

Já enquanto restaurante, The Decadente (suponho que a intenção do nome seja por-nos a gaguejar, em modo repeat, no "de de") tem gerado um certo sururu, com muito boa gente a queixar-se da dificuldade em conseguir uma mesa para jantar nas noites mais concorridas.

[Ante-câmara do The Decadente (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Não deixa de ser um feito apreciável. Sem acesso direto à rua, para ir ao "De'Decadente" é preciso entrar e atravessar o mais novo albergue de Lisboa — à velocidade vertiginosa com que abrem hostels-geração-Ikea na capital (e não só, o Porto já vai pelo mesmo caminho), arrisco-me a pecar por desatualização... —, que responde pelo igualmente sugestivo nome de The Independente Hostel & Suites.

[A "esplanada", aberta mesmo em pleno Inverno (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Instalado de mala e cuia num palacete antigo, com o Bairro Alto a dar-se ares de Príncipe Real, o albergue fica virado para o mirador de São Pedro de Alcântara. Já o restaurante abancou nas traseiras do edifício, mas tira proveito do facto de possuir um pequeno quintal, entre prédios, ideal para os dias de Sol mesmo em pleno Inverno.

[Ambiente retro, mas não muito (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A cozinha está entregue a uma equipa jovem, comandada pelo chef Nuno Bandeira de Lima e o sous-chef Thomas Manchini (que coloca no currículo Alain Ducasse e a Tasca da Esquina de Vítor Sobral), mas isso acaba por não ter grande peso no serviço domingueiro de brunch.

[Clientela jovem, mas não só, no brunch domingueiro (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Aproveitei a largueza de horário, entre as 12 e as 17 horas, para chegar um pouco depois das três da tarde. Salas compostas (são duas, mais umas quantas mesas e bancos corridos de madeira no tal quintal), Pop como barulhinho de fundo e uma clientela urbana e informal, na faixa dos 20 e 30, sobretudo (mas não só, contei uns quantos pais acompanhados de filhos adolescentes ou já adultos).

[O brunch tornou-se um ponto de encontro de Lisboa aos domingos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Base neutra, cadeiras desirmanadas, luminárias de diferentes estilos ao pendurão sobre as mesas de fórmica e toques revivalistas, mas non troppo, remetem-nos para as décadas de 1950, 1960.

[A mesa do bufete (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De caras, achei a mesa do bufete meio "pobrinha", com cereais, dois tipos de pães (de Mafra e de sementes), queijo, fiambre, compotas, mel, fruta da época, salada, massa fria com frutos secos, bebidas quentes (café e chocolate) e frias (leite, sumo de laranja, limonada e ice tea caseiro com hortelã), duas sobremesas (uma delas não reposta)... Também não fiz vista grossa aos cereais derramados no chão que, enquanto ali estive, nenhum empregado se dignou a apanhar.

[O prato "Americano" (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O bufete é para todos e depois há que eleger um prato entre três propostas: British (pão de Mafra tostado, bacon, feijões, salsicha, tomate assado e ovo), Americano (pão de Mafra tostado, panqueca de frutos vermelhos com xarope de chá verde e mel, salchicha picante com especiarias, batata com paprika e molho picante, ovo e bacon) e Mediterrânico (pão de Mafra tostado, cogumelo Portobello, tomate assado, ovo, morcela assada e espinafres).

Optei pelo prato Americano e não me arrependi.

Mas também não me entusiasmei. Ao contrário de quem embirra com esta coisa do brunch, que não é carne nem peixe para alguns, eu gosto e cultivo o ritual preguiçoso.

[Arroz doce porque o bolo já tinha acabado... (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Talvez por isso, e porque tenho inúmeros pontos de comparação, achei este, no conjunto, fraco.

Mas ai, na hora de pagar, apresentaram-me uma conta de €14 (e é possível fazê-lo a partir dos €8 por pessoa) e fiquei um pouco desarmado.

Sim, está longe de ser um grande brunch, mas estamos a falar de um albergue e de uma relação qualidade-peço muito razoável.

Por isso, e só por isso, dou-lhe o benefício da dúvida.

Rua de São Pedro de Alcântara, 81, tel. 213461381, aos dom., entre as 12.00 e as 17.00. Serve ainda almoços e jantares

29.1.12

as novidades da eric kayser: pães temáticos e brunch aos fins-de-semana e feriados

[A Eric Kayser de Lisboa aposta nos pães desde a primeira hora (foto de divulgação)]

"Numa casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa."

Tudo isto é fado, mas na Eric Kayser lisboeta — de quem falei aqui não faz muito tempo — não querem saber de tristezas e já descobriram o ponto fraco dos portugueses.

Sim, somos gulosos, mas quem nos tira o pão, tira-nos quase tudo.

[Pães há muitos, mas a Eric Kayser gosta de uma novidade (foto de divulgação)]

Vai dai, os dois sócios da primeira loja em solo nacional — que, até segunda ordem, não se descosem sobre quando e onde vão abrir a nova loja da Eric Kayser, também em Lisboa — tiveram uma ideia de truz.

[Além da linha habitual, um pão especial a cada mês (foto de divulgação)]

A par da linha habitual de pães, disponíveis todos os dias, a Eric Kayser decidiu casar cada mês do ano com um pão especial. A saber:



JANEIRO
Pão com Passas (em formato diferente)
FEVEREIRO
Pão com Chouriço
MARÇO
Pão Ekmek (pão turco com mel)
ABRIL
Pão Ekilibrio
MAIO
Pão Meridional (com tomate seco e azeitonas)
JUNHO
Pão com Sardinhas
JULHO
Pão com Tâmaras
AGOSTO
Pão com Tâmaras
SETEMBRO
Chapata
OUTUBRO
Baguette dos Esquilos (com avelãs, ameixas secas, passas e manteiga)
NOVEMBRO
Tarteflette (pão com queijo e toucinho)
DEZEMBRO
Pão com Castanhas

O pão de Janeiro já foi, eu sei, mas meses há muitos. E, pelos vistos, pães também. 


Pelo menos na Eric Kayser, que acaba ainda de anunciar uma outra novidade para os fins-de-semana e feriados: brunch parisiense ao preço imbatível de €9 por pessoa.

[O brunch parisiense (foto de divulgação)]

A proposta, servida até às 15 horas, inclui: ½ baguette Amoreiras; croissant ou pão com chocolate; café, galão, meia de leite ou chá; sumo de laranja natural; compota e manteiga; ovos mexidos com tomate confitado e salmão fumado ou presunto.

Amoreiras Plaza, rua Silva Carvalho, 321-lj C, tel.: 211 927 894, de seg. a dom., entre as 07.30 e as 20.30

18.1.12

à conversa com o chefe cordeiro, no feitoria, a pretexto da nova carta, do novo livro e da nova estrela

[O Chefe Cordeiro junto ao painel Nanban, na entrada do Feitoria, em Belém (foto de divulgação)]

Os últimos meses têm sido corridos para o Chefe Cordeiro.

[O prato de perdiz vermelha selvagem que Cordeiro apresentou no Tribute to Claudia, e cuja foto partilhou no seu Facebook (direitos reservados)]

Ele foi o programa "MasterChef", a estrela Michelin arrecadada para o Feitoria (aqui), o lançamento do seu primeiro livro de receitas (aqui) ou ainda, já este mês, a solicitação para estar presente no Festival Gourmet Internacional-Tribute to Claudia do Vila Joya, a decorrer até ao próximo dia 22 no Algarve — onde preparou a sua perdiz vermelha com castanhas e trufa negra, coxas confitadas e cogumelos do bosque, um prato saído da sua atual carta de Outono-Inverno —, e para preparar um jantar inteiro de sua autoria no âmbito do programa "Prove Portugal", que terá lugar amanhã, dia 19, na Embaixada de Portugal em Madrid.

[A par do painel, os pontos de luz em caixas douradas suspensas no teto são a grande imagem de marca do Feitoria (foto de divulgação)]

Tanta novidade junta, bem como a necessidade de fazer alguns melhoramentos, explica o facto do Feitoria ter ficado de portas fechadas nas primeiras semanas de Janeiro. Reabre esta sexta, dia 20, e promete uma ou outra surpresa.

[O terraço al fresco do Feitoria, perfeito mesmo no Inverno, quando faz Sol (foto de divulgação)]

A pretexto de um artigo para a edição de Fevereiro da revista "Evasões", estive ali faz muito pouco tempo, numa tarde belíssima de Inverno, com as esplanadas do Altis Belém viradas para o Tejo cheias, à conversa com o Chefe, como não se importa de ser tratado.

[Cordeiro fez questão de escolher as toalhas, a louça, os marcadores, os copos... nada lhe escapa (foto de divulgação)]

Antes aproveitei, que não sou tolo nem nada, para degustar uns quantos pratos da carta de Outono-Inverno, devidamente maridados com vinhos escolhidos pelo escanção, que é também chefe de sala, André Figuinha.

[A adega, ao fundo, está à vista, integrada na decoração da sala (foto de divulgação)]

O que se segue, é o resultado de uma coisa e outra. Uma refeição demorada e uma boa conversa, que me fez continuar à mesa tarde adentro, sem grandes pressas.

[O Menu de Degustação de 4 Pratos (clicar na foto para ver maior)]

Em finais de Abril de 2011, Carlos Maribona, um dos críticos espanhóis mais respeitados e seguidos em Portugal, partilhou com os leitores do seu blog, o “Salsa de Chiles”, as impressões sobre o panorama gastronómico atual de Lisboa e arredores. 

[Menu de Degustação de 5 Pratos (clicar na imagem para ver maior)]

Entre as críticas negativas, o Chefe Cordeiro e o Feitoria foram dos mais visados. Acusando a falta do chefe ao leme da cozinha numa noite em que ali esteve, Maribona elogiou o lugar e os vinhos, mas achou tudo muito caro e não gostou do que provou. 

[Tudo a postos para começar a degustação (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Uns meses mais tarde, em finais de Novembro, o mesmo Chefe Cordeiro, que já havia sido distinguido antes, em 2005 e 2006, com uma estrela Michelin quando estava à frente do restaurante Largo do Paço (Casa da Calçada, Amarante), repetiu a façanha, como já é sobejamente sabido, e conseguiu a primeira para o Feitoria. 

[um couvert simples, mas assertivo: quatro tipos de pães e azeite (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quer isto dizer que Maribona se enganou redondamente e cometeu um erro grosseiro de avaliação? Possivelmente não, tanto que sabe como poucos do que fala e escreve, mas este episódio não deixa de dar razão a quem se queixa de que continua a haver um grande desconhecimento (e falta de sensibilidade) a nível internacional para julgar em todas as suas frentes a nossa alta gastronomia. 

[Chega o amuse-bouche servido em ardósia negra: camarões de Sesimbra para serem comidos com a casca (bem crocante), algas e chips. Vinho: espumante da Bairrada Ex-Libris 2006 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Certo, certo é que a estrela Michelin obtida pelo Feitoria — a segunda para a cidade de Lisboa, num total histórico de 14 a nível nacional em 2012 —, com tudo de contra e subjetivo que se aponta ao método seguido pela Michelin, não resultou de uma única avaliação. O primeiro inspetor Michelin apresentou-se após a refeição, como é da praxe, mas o Chefe Cordeiro sabe, por experiência, que durante 2011 o restaurante terá sido visitado, anonimamente, por mais outros cinco ou seis. Uma estrela nunca é o resultado de uma única refeição sem o que se lhe aponte; é antes a soma de várias, em diferentes momentos e degustadas por diferentes inspetores, que, no final, têm de gerar unanimidade. 

[Cordeiro a brincar de Adrià: num copo de martini, é servido um gaspacho  translúcido e uma azeitona esferificada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quando foram anunciadas as estrelas deste ano, em Barcelona, Cordeiro e a sua equipa estavam em Lisboa, a braços com a rotina de mais um jantar. Na altura, para não pertubar o trabalho, contou apenas a boa nova aos seus colaboradores mais próximos, mas, já na madrugada, todos brindaram e se emocionaram. Não sendo novato nestas coisas, Cordeiro, nascido em Luanda mas transmontano por vocação e afeição, não se deslumbra facilmente, mas sabe que uma estrela na constelação de um restaurante pode fazer a diferença. 

[Primeira entrada a "valer": falsos raviolis de camarão e shitake, caldo de atum fumado com soja e jamim, e cogumelos pom pom blanc. Vinho: um chardonnay Quinta do Cidrô (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
Em França, está provado que uma estrela Michelin aumenta, em média, 25% a faturação, e em Portugal? “Quando estava em Amarante, que não é Lisboa, dias após o anúncio da estrela recebemos logo, para nossa grande surpresa, o primeiro grupo de japoneses, que chegaram ali de guia Michelin em punho. E a faturação aumentou”, confidencia Cordeiro. 

[Prato de peixe: robado do mar com cuscos de lingueirão, cebolas roxas em vinagre do Douro e emulsão de bivalves. Vinho: um Quinta das Marias, da região do Dão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


No Feitoria, com Dezembro e 2011 por um fio, o balanço permitia já sentir a influência da estrela, com casa cheia de estrangeiros, “mas também de portugueses, que começam a estar atentos a esta coisa das estrelas”, continua Cordeiro que, ainda assim, não tem pejo em assumir: “Ter sido jurado do concurso ‘MasterChef’, do ponto de vista comercial, equivale a três estrelas Michelin”. 

[Entre o peixe e a carne, um sorvete de maracujá para limpar o palato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quando surgiu o convite para participar na versão portuguesa do mesmo, Cordeiro hesitou em aceitar, mas o timing não poderia ter sido mais certeiro. O concurso tornou-o conhecido junto do grande público, abriu caminho para publicar o seu primeiro livro de receitas e, antes mesmo da estrela, aguçou o apetite para os restaurantes que, na qualidade de chef executivo, orquestra no Altis de Belém — o Feitoria é a menina dos olhos, mas no hotel existem ainda, mais em conta e informais, a Cafetaria Mensagem e o Bar 38º 41'.

[Prato de carne: costela de vitela Mirandesa com dome de batata e queijo terrincho, legumes da horta saltealdos. Vinho: Quinta da Casa Amarela 2008 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


E qual é o segredo do Feitoria? A cada nova carta, e são várias por ano, Cordeiro não atua sozinho. Pelo contrário, “tudo é decidido, testado e (a)provado em equipa, e o que desagrada não entra”, revela, não escondendo igualmente que não se melindra em incluir pontualmente receitas de outras pessoas, como aconteceu com o prato de bacalhau criado por um dos seus colaboradores, ou mesmo até certos toques da cozinha tecnoemocional do mago catalão Ferran Adrià — como o gaspacho que apresenta sob a forma de dry martini, com uma azeitona esferificada (quando se trinca o seu interior está líquido, como se de um concentrado de azeitona se tratasse), ou as espumas que fazem a ligação em alguns pratos. 

[Pré-sobremesa: um Pastel de Belém de miniatura, servido quente e a desfazer-se na boca (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Será caso para dizer que um dos mais aguerridos defensores da gastronomia nacional se está a render a outras influências? “Em Portugal temos uns 15 chefs muito bons e a tendência geral é para que, cada vez mais, nos viremos para os produtos portugueses; sobretudo aqueles que só nós temos, como o porco Bísaro, os cuscos de Bragança, os enchidos, o peixe… A cozinha tradicional portuguesa é boa e agrada”. 

[Sobremesa: Parfait de chocolate 70% recheado com toffee, molho suave de amendoim e seu gelado. Vinho: um Porto Quinta do Noval (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


E o que faz um prato resultar e tornar-se um cartão de visita? Desde que está no Feitoria, o Chefe Cordeiro já acertou, pela reação do público, a mão várias vezes e o ponto de partida é simples: “Temos de reunir no mesmo prato sabores que agradem à maioria”. E como se chega lá? Às vezes numa brincadeira, como aconteceu com o “Porco Bísaro em ensaio de Cozido Transmontano”, que suscitou dúvidas, mas acabou por se revelar a grande sensação do atual menu pela forma como reinterpreta os ingredientes de um cozido, tornando-o mais leve e mais “visual”. Noutros casos, são experiências anteriores bem-sucedidas que indicam o caminho a seguir, como na sobremesa de panacota, que junta no mesma receita a técnica italiana, produtos nacionais como o Moscatel roxo, os figos confitados em calda e um truque que remonta ao seu pudim Abade de Priscos: gelado de tomilho com limão para cortar o excesso de doce. 

[Com o café, mignardises como as típicas areias ou as castanhas glacée (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
 
Em cada nova ementa do Feitoria, Cordeiro arranja sempre maneira de ter presente os produtos de que mais gosta, mesmo que saiba de antemão ser ainda complicado arranjar fornecedores capazes de o abastacer sem quebras durante três meses. É um risco que corre por gosto e que o faz sentir no lugar certo: “O Feitoria é um diamante, que me permite fazer cozinha de autor e, mesmo estando num hotel, é autónomo e possui uma entrada separada. Mas, claro, um dia hei-de ter um restaurante em nome próprio.” 

Enquanto esse dia não chega, o Chefe Cordeiro sente-se nas suas sete quintas no grupo Altis, onde tem uma boa equipa — além dos seus braços direitos na cozinha, merece destaque o elegante chefe de sala e escanção André Figuinha, determinante para fazer a boa maridagem dos pratos com os vinhos por si selecionados e sugeridos — e dispõe de um espaço que, com alguns apontamentos discretos alusivos aos descobrimentos portugueses, agrada pela solução arquitetónica e pela vista desafogada para o Tejo. 

Altis Belém Hotel & Spa,
 Doca do Bom Sucesso, tel.: 210 400 200, encerra aos dom. e seg.. Além do serviço à la carte, possui menus de degustação a partir de €50 por pessoa.http://www.restaurantefeitoria.com
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