18.1.12

à conversa com o chefe cordeiro, no feitoria, a pretexto da nova carta, do novo livro e da nova estrela

[O Chefe Cordeiro junto ao painel Nanban, na entrada do Feitoria, em Belém (foto de divulgação)]

Os últimos meses têm sido corridos para o Chefe Cordeiro.

[O prato de perdiz vermelha selvagem que Cordeiro apresentou no Tribute to Claudia, e cuja foto partilhou no seu Facebook (direitos reservados)]

Ele foi o programa "MasterChef", a estrela Michelin arrecadada para o Feitoria (aqui), o lançamento do seu primeiro livro de receitas (aqui) ou ainda, já este mês, a solicitação para estar presente no Festival Gourmet Internacional-Tribute to Claudia do Vila Joya, a decorrer até ao próximo dia 22 no Algarve — onde preparou a sua perdiz vermelha com castanhas e trufa negra, coxas confitadas e cogumelos do bosque, um prato saído da sua atual carta de Outono-Inverno —, e para preparar um jantar inteiro de sua autoria no âmbito do programa "Prove Portugal", que terá lugar amanhã, dia 19, na Embaixada de Portugal em Madrid.

[A par do painel, os pontos de luz em caixas douradas suspensas no teto são a grande imagem de marca do Feitoria (foto de divulgação)]

Tanta novidade junta, bem como a necessidade de fazer alguns melhoramentos, explica o facto do Feitoria ter ficado de portas fechadas nas primeiras semanas de Janeiro. Reabre esta sexta, dia 20, e promete uma ou outra surpresa.

[O terraço al fresco do Feitoria, perfeito mesmo no Inverno, quando faz Sol (foto de divulgação)]

A pretexto de um artigo para a edição de Fevereiro da revista "Evasões", estive ali faz muito pouco tempo, numa tarde belíssima de Inverno, com as esplanadas do Altis Belém viradas para o Tejo cheias, à conversa com o Chefe, como não se importa de ser tratado.

[Cordeiro fez questão de escolher as toalhas, a louça, os marcadores, os copos... nada lhe escapa (foto de divulgação)]

Antes aproveitei, que não sou tolo nem nada, para degustar uns quantos pratos da carta de Outono-Inverno, devidamente maridados com vinhos escolhidos pelo escanção, que é também chefe de sala, André Figuinha.

[A adega, ao fundo, está à vista, integrada na decoração da sala (foto de divulgação)]

O que se segue, é o resultado de uma coisa e outra. Uma refeição demorada e uma boa conversa, que me fez continuar à mesa tarde adentro, sem grandes pressas.

[O Menu de Degustação de 4 Pratos (clicar na foto para ver maior)]

Em finais de Abril de 2011, Carlos Maribona, um dos críticos espanhóis mais respeitados e seguidos em Portugal, partilhou com os leitores do seu blog, o “Salsa de Chiles”, as impressões sobre o panorama gastronómico atual de Lisboa e arredores. 

[Menu de Degustação de 5 Pratos (clicar na imagem para ver maior)]

Entre as críticas negativas, o Chefe Cordeiro e o Feitoria foram dos mais visados. Acusando a falta do chefe ao leme da cozinha numa noite em que ali esteve, Maribona elogiou o lugar e os vinhos, mas achou tudo muito caro e não gostou do que provou. 

[Tudo a postos para começar a degustação (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Uns meses mais tarde, em finais de Novembro, o mesmo Chefe Cordeiro, que já havia sido distinguido antes, em 2005 e 2006, com uma estrela Michelin quando estava à frente do restaurante Largo do Paço (Casa da Calçada, Amarante), repetiu a façanha, como já é sobejamente sabido, e conseguiu a primeira para o Feitoria. 

[um couvert simples, mas assertivo: quatro tipos de pães e azeite (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quer isto dizer que Maribona se enganou redondamente e cometeu um erro grosseiro de avaliação? Possivelmente não, tanto que sabe como poucos do que fala e escreve, mas este episódio não deixa de dar razão a quem se queixa de que continua a haver um grande desconhecimento (e falta de sensibilidade) a nível internacional para julgar em todas as suas frentes a nossa alta gastronomia. 

[Chega o amuse-bouche servido em ardósia negra: camarões de Sesimbra para serem comidos com a casca (bem crocante), algas e chips. Vinho: espumante da Bairrada Ex-Libris 2006 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Certo, certo é que a estrela Michelin obtida pelo Feitoria — a segunda para a cidade de Lisboa, num total histórico de 14 a nível nacional em 2012 —, com tudo de contra e subjetivo que se aponta ao método seguido pela Michelin, não resultou de uma única avaliação. O primeiro inspetor Michelin apresentou-se após a refeição, como é da praxe, mas o Chefe Cordeiro sabe, por experiência, que durante 2011 o restaurante terá sido visitado, anonimamente, por mais outros cinco ou seis. Uma estrela nunca é o resultado de uma única refeição sem o que se lhe aponte; é antes a soma de várias, em diferentes momentos e degustadas por diferentes inspetores, que, no final, têm de gerar unanimidade. 

[Cordeiro a brincar de Adrià: num copo de martini, é servido um gaspacho  translúcido e uma azeitona esferificada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quando foram anunciadas as estrelas deste ano, em Barcelona, Cordeiro e a sua equipa estavam em Lisboa, a braços com a rotina de mais um jantar. Na altura, para não pertubar o trabalho, contou apenas a boa nova aos seus colaboradores mais próximos, mas, já na madrugada, todos brindaram e se emocionaram. Não sendo novato nestas coisas, Cordeiro, nascido em Luanda mas transmontano por vocação e afeição, não se deslumbra facilmente, mas sabe que uma estrela na constelação de um restaurante pode fazer a diferença. 

[Primeira entrada a "valer": falsos raviolis de camarão e shitake, caldo de atum fumado com soja e jamim, e cogumelos pom pom blanc. Vinho: um chardonnay Quinta do Cidrô (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
Em França, está provado que uma estrela Michelin aumenta, em média, 25% a faturação, e em Portugal? “Quando estava em Amarante, que não é Lisboa, dias após o anúncio da estrela recebemos logo, para nossa grande surpresa, o primeiro grupo de japoneses, que chegaram ali de guia Michelin em punho. E a faturação aumentou”, confidencia Cordeiro. 

[Prato de peixe: robado do mar com cuscos de lingueirão, cebolas roxas em vinagre do Douro e emulsão de bivalves. Vinho: um Quinta das Marias, da região do Dão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


No Feitoria, com Dezembro e 2011 por um fio, o balanço permitia já sentir a influência da estrela, com casa cheia de estrangeiros, “mas também de portugueses, que começam a estar atentos a esta coisa das estrelas”, continua Cordeiro que, ainda assim, não tem pejo em assumir: “Ter sido jurado do concurso ‘MasterChef’, do ponto de vista comercial, equivale a três estrelas Michelin”. 

[Entre o peixe e a carne, um sorvete de maracujá para limpar o palato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Quando surgiu o convite para participar na versão portuguesa do mesmo, Cordeiro hesitou em aceitar, mas o timing não poderia ter sido mais certeiro. O concurso tornou-o conhecido junto do grande público, abriu caminho para publicar o seu primeiro livro de receitas e, antes mesmo da estrela, aguçou o apetite para os restaurantes que, na qualidade de chef executivo, orquestra no Altis de Belém — o Feitoria é a menina dos olhos, mas no hotel existem ainda, mais em conta e informais, a Cafetaria Mensagem e o Bar 38º 41'.

[Prato de carne: costela de vitela Mirandesa com dome de batata e queijo terrincho, legumes da horta saltealdos. Vinho: Quinta da Casa Amarela 2008 (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


E qual é o segredo do Feitoria? A cada nova carta, e são várias por ano, Cordeiro não atua sozinho. Pelo contrário, “tudo é decidido, testado e (a)provado em equipa, e o que desagrada não entra”, revela, não escondendo igualmente que não se melindra em incluir pontualmente receitas de outras pessoas, como aconteceu com o prato de bacalhau criado por um dos seus colaboradores, ou mesmo até certos toques da cozinha tecnoemocional do mago catalão Ferran Adrià — como o gaspacho que apresenta sob a forma de dry martini, com uma azeitona esferificada (quando se trinca o seu interior está líquido, como se de um concentrado de azeitona se tratasse), ou as espumas que fazem a ligação em alguns pratos. 

[Pré-sobremesa: um Pastel de Belém de miniatura, servido quente e a desfazer-se na boca (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


Será caso para dizer que um dos mais aguerridos defensores da gastronomia nacional se está a render a outras influências? “Em Portugal temos uns 15 chefs muito bons e a tendência geral é para que, cada vez mais, nos viremos para os produtos portugueses; sobretudo aqueles que só nós temos, como o porco Bísaro, os cuscos de Bragança, os enchidos, o peixe… A cozinha tradicional portuguesa é boa e agrada”. 

[Sobremesa: Parfait de chocolate 70% recheado com toffee, molho suave de amendoim e seu gelado. Vinho: um Porto Quinta do Noval (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]


E o que faz um prato resultar e tornar-se um cartão de visita? Desde que está no Feitoria, o Chefe Cordeiro já acertou, pela reação do público, a mão várias vezes e o ponto de partida é simples: “Temos de reunir no mesmo prato sabores que agradem à maioria”. E como se chega lá? Às vezes numa brincadeira, como aconteceu com o “Porco Bísaro em ensaio de Cozido Transmontano”, que suscitou dúvidas, mas acabou por se revelar a grande sensação do atual menu pela forma como reinterpreta os ingredientes de um cozido, tornando-o mais leve e mais “visual”. Noutros casos, são experiências anteriores bem-sucedidas que indicam o caminho a seguir, como na sobremesa de panacota, que junta no mesma receita a técnica italiana, produtos nacionais como o Moscatel roxo, os figos confitados em calda e um truque que remonta ao seu pudim Abade de Priscos: gelado de tomilho com limão para cortar o excesso de doce. 

[Com o café, mignardises como as típicas areias ou as castanhas glacée (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]
 
Em cada nova ementa do Feitoria, Cordeiro arranja sempre maneira de ter presente os produtos de que mais gosta, mesmo que saiba de antemão ser ainda complicado arranjar fornecedores capazes de o abastacer sem quebras durante três meses. É um risco que corre por gosto e que o faz sentir no lugar certo: “O Feitoria é um diamante, que me permite fazer cozinha de autor e, mesmo estando num hotel, é autónomo e possui uma entrada separada. Mas, claro, um dia hei-de ter um restaurante em nome próprio.” 

Enquanto esse dia não chega, o Chefe Cordeiro sente-se nas suas sete quintas no grupo Altis, onde tem uma boa equipa — além dos seus braços direitos na cozinha, merece destaque o elegante chefe de sala e escanção André Figuinha, determinante para fazer a boa maridagem dos pratos com os vinhos por si selecionados e sugeridos — e dispõe de um espaço que, com alguns apontamentos discretos alusivos aos descobrimentos portugueses, agrada pela solução arquitetónica e pela vista desafogada para o Tejo. 

Altis Belém Hotel & Spa,
 Doca do Bom Sucesso, tel.: 210 400 200, encerra aos dom. e seg.. Além do serviço à la carte, possui menus de degustação a partir de €50 por pessoa.http://www.restaurantefeitoria.com

Sem comentários:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...