26.11.11

fora de portas: rota das estrelas na fortaleza do guincho, parte 2 | fotoblog de uma noite memorável

[©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Este brinde, com toda a equipa do restaurante da Fortaleza do Guincho, aconteceu a 18 de Novembro, menos de uma semana antes do lançamento oficial da edição de 2012 do guia vermelho da Michelin, por ocasião dos dois jantares que foram ali servidos a pretexto de mais uma Rota das Estrelas.
[Sentados, da esq. para a dir.: Neuner, Farges e Ortu; de pé: Broda (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Nesse dia, ou melhor nessa noite e na que se lhe seguiu, as estrelas eram, além de Vincent Farges (chef executivo da Fortaleza), o austríaco Hans Neuner do Ocean (Vila Vita, Algarve) e os franceses Sébastien Broda (Le Park 45, Cannes) e Jean-Luc Ortu (JLO Consulting), mas claro que se falou, e muito, das outras, as Michelin, e da expectativa em torno delas.
[Hans Neuner em ação na cozinha do Guincho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Hans Neuner, o pequeno-grande chef, não sabia na altura, mas daí a dias teria motivos de sobra para pular de alegria (e foi o que fez, literalmente, segundo relatos fidedignos). De uma estrela Michelin passou a duas, feito notável apenas conseguido até à data, no que a Portugal diz respeito, pelo Vila Joya (Albufeira/Algarve). E foi assim que o Ocean orquestrado por Neuner, instalado num resort algarvio que muitos veem apenas como "coisa para turistas alemães", se elevou a "restaurante de excelência que vale o desvio".
[Farges em noite solidária com a associação Operação Nariz Vermelho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
No Guincho, a discrição e a cautela prevaleceram até ao fim, mas acreditou-se que poderia ser desta. Não foi. Ainda não foi. A maioria dos restaurantes estrelados pela Michelin, é caso recorrente, pena anos a fio para subir de patamar, mas a espera da Fortaleza veio a revelar-se particularmente longa. A primeira estrela chegou já em 2001 e, desde então, nunca foi perdida.
[Os bastidores da Rota das Estrelas no Guincho (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Por que será então que tarda tanto a chegar a segunda estrela se a Fortaleza tem dado provas da sua constância? Será que se tem limitado a fazer mais do mesmo? Que não tem inovado, ou "provocado" (a nova palavra de ordem na cozinha), o suficiente para voar mais alto? A resposta não serei eu a dá-la, mas ainda assim permito-me arriscar uma teoria: a Fortaleza precisa tornar-se mais conhecida fora de portas, de atrair imprensa estrangeira especializada e de gerar um maior foco de interesse à sua volta. Já o faz, e bem, em Portugal, mas o nosso país não chega — por mais que a cozinha de Farges esteja a viver um dos seus momentos mais inspirados e consistentes.
[Farges, Broda e Ortu conferenciam na cozinha durante a preparação do jantar (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
E isto vale também para outros chefs e restaurantes à beira-mar plantados. Portugal tem, na edição de 2012 do guia Michelin, 12 restaurantes com 14 estrelas (mais duas do que em 2011). Alvo de duras críticas pelos seus critérios nem sempre muito claros, a Michelin foi particularmente generosa com Portugal num ano em que praticamente só se fala de nós por conta da malfadada crise e em que a maioria dos críticos gastronómicos internacionais que nos visita nunca deixa de fazer referência, com razão, ao facto da nossa alta cozinha estar a padecer de uma certa estagnação (sobretudo porque nos falta, neste momento, uma clientela suficientemente expressiva que queira pagar por ela).
[A azáfama na cozinha era grande durante o jantar e tudo podia ser acompanhado na sala graças a dois enormes ecrãs (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Na imprensa estrangeira, pouco ou nada se tem falado das estrelas lusas. Fora de Portugal, não tenhamos ilusões, Espanha, e a ira dos espanhóis contra os inspetores da Michelin, chamou a si todas as atenções, sobrando a impressão de que o guia é, afinal, referente a um só país e não a dois — até mesmo os jornalistas brasileiros (o Brasil deve ganhar, finalmente, uma edição do guia para chamar de sua no próximo ano) relataram as venturas e desventuras das estrelas espanholas como se fossem suas, ignorando por completo o lado luso da questão.
[O caviar que viria depois a ser empratado com o pregado (©paulo barata, todos os direitos reservados)]
Estamos acostumados a que seja assim, eu sei. Mas, porventura, estamos acostumados demais. Claro que Espanha e a cozinha espanhola, pela sua envergadura e peso, jogam num outro campeonato, mas isso não valida que nos estejamos a promover mal. Somos um país pequeno, com pouca margem de manobra até ver e muito a fazer (e a aprender), mas precisamos contrariar a ideia que se instalou fora de portas — e que me incomoda, sou franco, ver reproduzida à exaustão em mercados que nos são essenciais, como o espanhol e o brasileiro — de que não se passa nada de verdadeiramente interessante, ou digno de nota, na alta cozinha praticada por cá.
[Menu servido nas duas noites da Rota das Estrelas no Guincho (clicar na imagem para aumentar e ler)]
Fecho o longo parêntesis e volto à noite das outras estrelas. Já tinha dado um cheirinho do que se passou por lá neste post, mas prometi mostrar mais. O prometido é devido. Ao todo foram servido dez pratos, ou seja dois por chef mais duas sobremesas a cargo de Daniel Pinto Marques, o novo titular da pastelaria na Fortaleza (falei antes da saída de Fabian Nguyen) e os vinhos escolhidos pelo escanção premiado Inácio Loureiro.
Antes do jantar, diferentes amuse-bouches preparados pelos chefs foram servidos, regados a champanhe, mas eu gostei especialmente das tacinhas com legumes em miniatura (acima), crocantes e deliciosos, produzidos na Quinta do Poial, um dos fornecedores de eleição de Farges.
Além dos entreténs de palato, houve ainda degustação de caviar, de foie gras, de chocolate Valrhona e de presunto ibérico, este último servido a preceito por Zacarías Píriz Estévez (acima), mestre-cortador (só existem 16 no país vizinho) e faca de ouro espanhol.
Sentados à mesa, coube a Farges abrir os serviços com uma primeira entrada: peito de codorniz assado, miúdos cozinhados com maçã e chalotas aciduladas, e coxa em rillette (semelhante a patê) com foie gras de pato, Amlou (molho marroquino) de nozes e avelãs com óleo de Argan.
A segunda entrada veio assinada por Neuner: barriga de atum com Hollandaise de ouriços, Salicórnia e melancia. As duas foram acompanhadas por um branco Quinta dos Carvalhais-Encruzado 2010.
Não é todos os dias que se tem Broda numa cozinha vigiada por câmaras de televisão. Foi ele que criou as duas últimas entradas. A primeira delas foi sapateira da costa, bavarois de sardinhas, espuma de mostarda Savora (curioso como esta velha mostarda está a ser recuperada por alguns chefs), pepinos e condimentos.
Para rematar: vieira salteada sobre uma fatia de pão, alcachofra, pinhão, cebolinho e salsifis (tubérculo) milanèse, polpa de funcho e yuzu (fruta cítrica asiática). Esta entrada e  a anterior foram maridadas com um vinho verde Soalheiro-Primeiras Vinhas 2010.
Por esta altura, é bom dizê-lo, ainda não íamos a meio do menu. Ortu foi o senhor que se seguiu. Primeiro prato de peixe, e talvez o meu preferido da noite, lavagante azul em caldo cremoso, raviole abaunilhado de abóbora Hokkaido (também conhecida por Potimarron, oriunda da Ásia) com limão confitado. Como vinho, um branco Guru 2010.
Ortu acertou igualmente no Pregado cozido ao vapor de algas, emulsão de ostras e bivalves com Caviar Sturia Vintage Affiné, e alho francês glaceado com cardamomo verde. Que regalo ver, e degustar, um dos nossos peixes preparado desta forma. Como vinho, um branco Niepoort Redoma Reserva 2010.
Regressa Farges e prova como um consommé pode ser mais do que um simples... consommé. O seu era de rabo de boi, claro, com pequenos legumes e fava tonka (no Brasil ela é conhecida como a semente da fruta amazónica Cumaru), mas sem dúvida que a tartine de cogumelos e lascas de Wagyu (carne de vaca japonesa), servida como acompanhamento, fez toda a diferença. Mantivemos o Redoma Reserva.
O prato de carne, propriamente dito, ficou a cargo de Neuner, que apostou as suas fichas na presa e entrecosto de porco preto, servido com batatas e cebolas confitadas, e molho de Sobrassada (enchido curado das Ilhas Baleares). O tinto era Ferreirinha Reserva Especial 20o3.
Dos fracos não reza a história; bravamente todos passaram ainda às sobremesas. A primeira, ideal para limpar o palato, foi um croustillant de citrinos e cremoso de clementinas com sorvete de toranja com Grand Marnier Bicentenaire. Os sabores acidulados foram bem conjugados com um espumante Quinta do Ameal Brut “Arinto” 2002. 
A derradeira etapa (porque me vou abster de mencionar que com o café, servido no final, vieram ainda umas mignardises) foi uma verdadeira apoteose de chocolate Valrhona em diferentes estados e formas: Tartelete cremosa de chocolate Nyangbo e sorvete de chocolate amargo, Fuseaux de chocolate Andoa recheados com uma mousse ligeira de Jivara Lactée. E tanto chocolate pedia mesmo um Madeira Blandy’s Malmsey Harvest 2004.

Quando se juntam quatro chefs, três deles com estrelas Michelin, e fazem o melhor que sabem, o resultado só pode ser, como foi o caso, uma noite memorável. Uma não, duas. Foram duas noites.  E, não tarda nada, está ai a nova carta de Inverno.

Estrada do Guincho, Cascais, tel. 214 870 491, todos os dias, almoços entre as 12.30 e as 15.30 e jantares entre 19.30 e as 22.30

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