27.5.11

fora de portas: fortaleza do guincho, parte 3 | o restaurante

[Ancorada junto ao mar, pairando sobre a praia do Guincho, a Fortaleza reservou para o seu restaurante estrelado algumas das melhores vistas (fotos de divulgação)]

O prometido é devido.

Apresentados os chefs e explicado o conceito do restaurante da Fortaleza do Guincho no post anterior, é chegada a hora de passar à mesa.

Antes, porém, um mea culpa. Era minha intenção ter aqui as fotos de todos os pratos que degustei naquela noite, num jantar em que perdi a conta às horas, mas acabei por não fazê-lo por duas razões: a primeira é que, na expectativa de chegar e instalar-me, comecei por me esquecer de puxar pela máquina; a segunda é que, quando me lembrei, resolvi deixá-la quieta onde estava. Por uma vez, decidi concentrar-me na comida e aproveitar a companhia.

Há quem prefira o restaurante ao almoço, porque é então que se tira o máximo proveito da vista sobre o mar, servida de bandeja. Outros preferem realçar a carga quase teatral que se sente ao jantar, altura em que as luzes e o décor contribuem para a ilusão, quase perfeita, de estarmos num palco sobre o Atlântico.

Não tiro a razão nem a uns nem a outros. Da mesma forma que reconheço pertinência em quem já acha ser chegado o momento de trocar a decoração pesada, e talvez excessivamente datada, por algo que mantenha a classe — era só o que faltava é que todos os restaurantes (e hotéis) tivessem de sucumbir à ditadura do "design" e do "minimal" —, mas que seja mais uptodate.

[Parece ou não uma mesa colocada à boca de cena? (foto de divulgação)]

E chega de preâmbulos.

Não sei se a mesa que me coube em sorte era exactamente a que se vê na foto superior, mas se não foi esta, foi outra igualzinha. Um privilégio que não me passou ao lado. Nem a mim, nem à minha companhia — porque este é o tipo de experiência que sabe tão melhor quando partilhada.

[Dia ou noite? Almoço ou jantar? A dúvida é pertinente... (©paulo barata)]

Numa altura em que tanto se fala, e se sente, a crise, confesso que temi a perspectiva sempre embaraçosa de sermos os únicos na sala — jamais esquecerei o desconforto de um almoço com a sala vazia, há muitos anos, no Tavares... —, mas não. Num dia da semana, o restaurante não estava cheio, mas boa parte das mesas estava ocupada.

[Um serviço requintado que se justifica plenamente num restaurante deste nível (©paulo barata)]

Bem melhor assim.

Com anos de prática, e uma estrela Michelin para honrar, o serviço de sala está afinado. E sim, este é um restaurante onde se faz gala em prestar um serviço refinado (e presente na medida justa), com os empregados de mesa a terem na ponta da língua os ingredientes que vão em cada prato e a saberem também aconselhar. Há restaurantes de muitos tipos, para diferentes ocasiões e propósitos. Neste, justifica-se plenamente um serviço mais requintado.

[Mestre e pupilo, Westermann e Farges; o primeiro, com três estrelas Michelin, é o consultor gastronómico, o segundo, com uma estrela Michelin, é o chef executivo (©paulo barata)]

E, a menos que se saiba muito bem ao que se vem — e há quem saiba, claro, sobretudo os clientes repetentes e amantes do repertório do chef Westermann —, é bom ter quem nos esclareça. Vinhos e outras bebidas à parte, na carta as entradas custam a partir de €25, os pratos desde €30 e as sobremesas começam nos €14. Mais vantajoso, e interessante para quem não é um habitué atrever-me-ia a acrescentar, é optar pelo menu da estação (quatro por ano, portanto) ou de degustação, entre €50 e €70 por pessoa (bebidas não incluídas, relembro). 

Barato não é, mas é um valor justo.

Optámos pelo menu de degustação, harmonizado com vinhos diferentes a copo para cada prato.

[Vincent Farges, à dir., em plena acção durante um evento gastronómico recente na Fortaleza do Guincho (foto D.R.)]

A abrir, como amuse-bouche, um shot de cenoura, vegetais tenros — muito frescos, que Vincent Farges, como expliquei anteriormente, faz questão de importar de hortas locais — e geleia de galinha. Não o encontrei, mais tarde, em nenhuma das cartas, o que só prova que Farges se permite variar nestas espécies de pré-entradas.

Continuámos no espumante, que acompanhou muito bem uma entrada que já se tornou um prato de assinatura de Farges: vieiras marinadas com limão-caviar, tártaro de legumes crocantes com lima e brioche com funcho.

Mudámos para um branco, ideal para o salmonete assado condimentado com os fígados e limão confit, acompanhado por um refogado de legumes com manjericão e lascas de alho. Porventura, foi o prato de que mais gostei nessa noite, apesar de haver quem não aprecie o gosto mais acentuado deste peixe.

[A frescura dos ingredientes é crucial, dos legumes e vegetais aos peixes, para o resultado final desejado por Farges [foto D.R.)]

Já não sou tão fã de borrego, ainda que reconheça a subtileza da versão que Farges nos apresentou nessa noite. Borrego de leite assado, streussel de funcho, favas e molho do assado por cima. E um tinto encorpado, claro.

Nas mignardises, que antecedem a sobremesa propriamente dita, dois deliciosos e refrescantes sorvetes: canela com frutos vermelhos e manga.

E chegou a sobremesa, escudada por um Porto, composta por morangos algarvios macerados com manjericão e vinagre balsâmico, cremoso e telhas estaladiças, sorvete de lima-manjericão e molho de morango. Um remate perfeito que me lembrou o desabafo de uma crítica gastronómica: "estou farta de sobremesas que, no final, nos deixam com desejo de um bom chocolate!". Pois não foi o caso. Esta é uma sobremesa que inclui ervas aromáticas e até vinagre balsâmico, mas tem aparência, e gosto, de doce.

Se gostei de tudo? Gostei mais de umas coisas, de outras menos. Mas isso é normal. O que interessa ressaltar é que, chegados a este patamar de exigência — e por mais que o paladar seja uma coisa subjectiva, que não sejamos peritos em tempos de cozedura e não dominemos as bases da cozinha francesa —, para se cumprir a expectativa, tem de haver um rasgo, uma identidade, um traço que faça a diferença.

E isso a cozinha do Guincho, praticada por Farges, tem. Podemos gostar mais ou menos de determinada coisa, mas há sempre ali qualquer coisa de genial. Com a vantagem de que se tem vindo a tornar uma cozinha muito mais abordável — a simplicidade não tem nada de básico — e que é um prazer redobrado ver cada vez mais ingredientes portugueses a serem trabalhados a alto nível.

[Criação de Vincent Farges para o evento Peixe em Lisboa, onde provou que uma cozinha com uma estrela Michelin também pode, e deve, ser capaz de criar alternativas mais em conta (©fabrice demoulin)]

Para terminar, uma nota para aqueles que nunca foram à Fortaleza do Guincho e acham que este meu post só veio confirmar o quão elitista o lugar é. Da mesma maneira que se incentiva quem passa a entrar e a ver o lugar — que é afinal um património histórico antes de ser um hotel e um restaurante —, também houve o cuidado de pensar numa ementa mais informal, e mais em conta, para servir no bar e esplanada.

Não é preciso ser hóspede para desfrutar do pequeno-almoço (que custa €15) ou de um chá com scones (que custa €7,50). Nem o restaurante é a única maneira de chegar à cozinha de Farges (sanduíches entre €6 e €16, saladas entre €7 e €15, massas e sopas entre €6 e €15, além de sobremesas entre €4 e €7,50).

Estrada do Guincho, Cascais, tel. 214 870 491, todos os dias, almoços entre as 12.30 e as 15.30 e jantares entre 19.30 e as 22.30
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1 comentário:

rosario disse...

A companhia deliciou-se com o relato e reviveu a sensação agradável da noite! Beijos.

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