18.2.13

a vez e a hora de diogo noronha no pedro e o lobo

[Diogo Noronha, agora a solo (foto de divulgação editada por jms)]

São raras as duplas nas cozinhas. 

Ainda mais raras são aquelas que persistem para além de um certo tempo. E Pedro e o Lobo não foi a exceção que confirmou a regra. 

Desfeita a parceria com Nuno Bergonse, co-fundador do restaurante lisboeta, coube a Diogo Noronha (e aos dois outros sócios que se mantiveram no projeto) agarrar o touro pelos cornos e tratar de imprimir a sua marca. 

Sem ruturas.
Sem alardes. 

[Mantém-se a tónica vintage, mas simplificou-se (foto de divulgação editada por jms)]

Numa altura em que a crise no setor da restauração obriga a atenção e engenho redobrados, o desafio do jovem chef é ainda maior: “Éramos uma dupla e a minha primeira preocupação foi a de reestruturar a cozinha. Estávamos sempre os dois presentes e apoiávamo-nos muito um no outro, o que era bom, mas também acabou por ser uma sobrecarga muito grande. Agora procuro ajustar a estrutura de forma a que haja uma evolução sustentável e que eu, estando presente o mais possível (porque sou cozinheiro e é cozinheiro que quero continuar a ser), possa também dar respostas a outras coisas que me são pedidas”, começou por me dizer. 

[Maior informalidade sem toalhas de mesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Faz sentido. Com uma clientela fiel nos almoços (cerca de 90% são recorrentes), que marca presença igualmente ao jantar não raras vezes (a clientela estrangeira varia muito em função dos picos de turismo da própria cidade), Noronha sabe que, a partir de agora, dispõe de margem “para praticar uma cozinha mais autoral”, mas que, por outro lado, não pode nem quer defraudar os quem têm no Pedro e o Lobo uma escolha segura: “Estou a criar uma identidade, mas faço questão de manter nas minhas cartas coisas do passado”, assegura-me. 

[Por dicas dos clientes, o serviço também está mais ágil (foto de divulgação editada por jms)]

Mas a mudança está lá. Subtil, mas está. E sente-se logo na sala, no próprio serviço e até no conceito. A tónica vintage permanece (ainda bem!), com clara influência nórdica e das décadas 1950-1960, mas desapareceram as toalhas de mesa, simplificou-se o atendimento (por observação própria e pelos reparos dos clientes) e imprimiu-se na carta um tipo de estrutura mais aberta que incentiva e facilita a partilha de pratos. 

[Pipocas de novilho, nas entradas, para comer com as mãos (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A época de contenção — “em que as pessoas saem menos para jantar e quando o fazem arriscam menos”, constata sem dramas — a isso leva, não tenho ilusões a respeito, mas não é tão limitadora como possa parecer a quem olha (e julga) de fora: “Tenho uma inquietude autoral, mas consigo um equilíbrio entre o que eu quero e o que os clientes desejam”, remata.  Parece-me sincero. 

[O ovo cozido a 62 graus tal como vem para a mesa (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] 

Na prática, isso traduz-se na manutenção de um menu executivo ao almoço (a partir de 20 euros), que muda todas as semana e onde tenta que haja sempre um clássico da cozinha com um toque pessoal, e de um menu de degustação aos jantares (agora mais barato, a 38 euros por pessoa, sem bebidas), onde se permite arriscar mais e incluir pratos menos consensuais como as molejas com nozes em picles e agriões. 

[Mas é preciso enfiar a colher para descobrir o ovo... (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Transversal num caso e noutro, a opção à carta onde fará questão de ter sempre dois ou três pratos mais “comuns” para que ninguém saia da sua área de conforto e onde, sempre que necessário, introduzirá pequenos ajustes nos ingredientes e nas guarnições — “E se tiver de tirar um prato para colocar outro, faço-o sem problema”. 

[... e misturar todas as texturas (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

De caras, o que me deixou curioso foi notar que a mesma simplicidade que senti ao percorrer a carta — as escolhas agupam-se em entradas, pratos principais, arrozes e sobremesas, com uma variação de preços muito razoável — passava para o meu palato à medida que ia saboreando entradas como o Ovo cozido a 62 graus (com mousse de queijo de Seia e migas de payola), as Pipocas de novilho (com porco e arroz com sal de aipo e molho de Dijon), as Lulas recheadas (com tostas de pão com chouriço e caldo de pimentos) e pratos como a Massada fresca de salmonete (seus fígados, ostras e azeitonas verdes) ou a Meia esfera de perdiz e foie (com mini nabos, emulsão de pimenta verde, Madeira e alho negro). 

[Massada fresca de salmonete (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas é uma simplicidade enganadora, meus caros. Ou se é.

[A meia esfera de perdiz e foie (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Noronha pode até ter jogado pelo seguro em certas áreas do negócio — crise oblige —, mas por outro lado expõe-se bem mais do que muitos imaginam ao enveredar por uma corrente mais naturalista, em que sobressaem os ingredientes, as texturas e o sabor. 

[Nas sobremesas , há sempre uma tarte do dia no menu executivo ao almoço (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

O lado lúdico, e a elegância estilística no empratamento, continuam lá, mas há menos espumas, ares… e mais substância (até mesmo na inclusão dos caldos, pelo menos enquanto fizer mais frio, que acrescentam estrutura e maior complexidade a pratos como o da perdiz, um dos meus predilectos). 

[Diogo Noronha sempre na cozinha, mas a partir de agora um sócio mais interveniente também (foto de divulgação editada por jms)]

É um risco, porque, como ele mesmo mo admitiu, “o rigor e a exigência são muito maiores” já que a simplicidade implica sempre um maior controlo da qualidade. “Execução e a parte conceptual, esse é o grande desafio”, partilha Noronha deixando já antever que a sua aposta está para durar e que dará o que falar (e sentir) nas próximas cartas. 

[Avelãs em diferentes texturas e bolhas de cacau (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

No final, sobre a mesa há uma sobremesa da atual carta a que muitos, em são juízo, serão incapazes de torcer o nariz: avelã, sablé, avelãs caramelizadas e bolhas de cacau. 

Deixa-me um gostinho na boca de quero mais. Tal como a cozinha de Noronha. Por isso fiz questão de voltar ali, já acompanhado de amigos, num jantar na véspera de Carnaval — fí-los provar vários pratos que havia degustado antes. Mais do que a opinião deles, queria ver como reagiam. 

Bingo. O que aumenta a fasquia e a minha curiosidade para os próximos capítulos desta história.  

[O que escrevi antes sobre este restaurante aqui e aqui]

Rua do Salitre, nº169, tel. 211 933 719, aberto de seg. a sex. , das 13.00 às 15.00 e das 20.00 às 23.00; ao sáb., das 20.00 às 23.00

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