[Ljubomir Stanisic e o novo menu de degustação, que também se come à mão (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Entre as gravações televisivas que o obrigam a viagens constantes por Portugal continental e insular — já falei aqui do livro, "Papa-Quilómetros", na origem do programa com o mesmo nome que passa no canal a cabo 24 Kitchen e que ganhou, não faz assim tanto tempo, uma versão para a Sérvia, país de origem do chef —, as noites mal dormidas por conta do seu mais novo rebento — Ljubo foi pai, pela segunda vez, e, consta, tem aproveitado as vigílias noturnas com o filho para o iniciar olfativamente no mundo da cozinha... — e as demandas constantes dos seus três restaurantes (fora as solicitações, sempre mais do que muitas, da imprensa), Ljubomir Stanisic encontrou ainda tempo para se sentar bem à minha frente, uma noite destas.
Sentado à mesa, ele mesmo fez questão de apresentar o mais novo menu de degustação do 100 Maneiras (45 euros por pessoa, mas 35 para quem quiser fazer a maridagem de cada prato com os vinhos).
Sentado à mesa, ele mesmo fez questão de apresentar o mais novo menu de degustação do 100 Maneiras (45 euros por pessoa, mas 35 para quem quiser fazer a maridagem de cada prato com os vinhos).
[É assim o 100 Maneiras, o restaurante (foto de divulgação)] |
Não vou apresentar o Ljubo. Já escrevi várias vezes sobre ele — ou a propósito dele, como aqui —, e por se ter tornado uma figura mediática, sobretudo depois da participação como júri no MasterChef, é sobejamente conhecido do grande público. Direi apenas que, mesmo cansado, não perde o ar de miúdo traquina (apesar de trintão) e que, mais conhecedor das coisas de Portugal que muitos portugueses aqui nascidos e criados, ele, à moda do Norte, faz do palavrão não uma agressão mas um modo livre de expressão.
[O ambiente e os detalhes da sala (foto de divulgação)] |
Também não vou falar do 100 Maneiras, ao Bairro Alto (e não muito longe do irmão do meio, o Bistro), o primeiro da série, que se mantém, no espaço acanhado mais intimista, ideal para quem quer degustar ao jantar, e só ao jantar, a cozinha mais autoral de Ljubo.
[O pão do couvert em saca de sarapilheira (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Na verdade, e como ele mesmo confessa, Ljubo já pouco vai para a cozinha. Daí a importância de um braço direito como, no caso do restaurante 100 Maneiras, o seu chef-executivo João Simões (meu quase homónimo que passou, entre outros, pelo extinto Unique Chiado). Mas, o seu toque está lá e não perde nada de vista — durante a noite, por várias vezes, chamou à atenção o pessoal que servia às mesas, alertando para um prato colocado ao contrário e para outros pequenos detalhes que escapariam a olhos menos treinados.
[Sempre presente... (foto de divulgação)] |
Mas vamos ao novo menu de degustação. Por estarmos (ainda) no verão, este apresenta-se, necessariamente, mais leve — Ljubo admite que, se pudesse, incluiria apenas peixe e deixaria de fora a carne —, mas não abre mão de certos "clássicos" da casa que ninguém quer ver de fora.
[... o estendal de bacalhau (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
É o caso do Estendal do Bairro Português, uma ideia de truz que Ljubo teve há anos e que, parece, não cansa quem ali vai. No fundo, explicando aos que não provaram, são pequenos chips de bacalhau desidratado, presos por minimolas como se de roupa se tratasse. Por enquanto, o estendal ainda vem nas armação de inox, mas uma parceria com a Vista Alegre deve trazer, não tarda muito, uma outra versão em porcelana (assim acertem com o molde...).
[A sardinha (foto de divulgação)] |
Ainda nos entreténs de boca ou palato, segue-se uma sardinha marinada com guacamole em espetada de pão alentejano e pimento padrón.
[Salmão em carpaccio (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Bem como um carpaccio de salmão com ervas, sorbet de lima, lascas de espargos, funcho e aneto em pickle — que Ljubo ordena que se coma com as mãos.
[A vieira, como uma jóia (foto de divulgação)] |
Nas entradas, primeiro vem o que ele diz ser uma tentativa de desconstruir um prato oriental. Traduzido? Uma gorda vieira, escondida num prato-sarcófago com ares de porta-jóias, corada com salicórnia (é ela que dá, no caldo onde também vai gengibre e soja, um toque mais salgado), cogumelos e caldo asiático.
[O ravioli de pato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
E entra o ravioli de pato, cogumelos e amendoim em massa de arroz com fricassé de espargos e salsa. Aqui, como no resto servido até então, leveza e uma aposta na sutileza, preferindo notas perfumadas a contrastes muito marcados.
[Bacalhau à brás. mas não como conhecemos (foto de divulgação)] |
Nos peixes, Ljubo brinca com o tradicional bacalhau à brás. Como? Apresenta um naco de bacalhau escalfado com brás de batata, couve e coentros (e tomate, que introduz uma nota mais ácida).
[Limpa-me o palato, por favor (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Nem carne nem peixe: o granizado de limão confitado com citronella (parente da nossa erva cidreira) gengibre e hortelã a servir de intermezzo. Entre o peixe e a carne.
[O leitão, macio por dentro, estaladiço por fora (foto de divulgação)] |
Chega-me então um leitão cozinhado a baixa temperatura com maçã Granny Smith caramelizada e nabo. É uma tendência, decididamente. Nos últimos meses tenho comido, não só em Portugal, pratos em que sobretudo a barriga do porco (neste caso é leitão) é cozinhada por horas a fio, para se apresentar depois muito macia por dentro, com uma nota fumada, e com a pele estaladiça por fora.
[Fruta, mas não só (foto de divulgação)] |
Para encerrar o repasto que já ia longo, duas sobremesas. Fruta com sabayon de amêndoa e crumble e cacau e, a que me ficou no goto (porque se trata de uma coisa aparentemente simples, mas que resulta em cheio): espuma de queijo com sorbet de goiaba e nougat de medronho, numa releitura muito feliz do "clássico" brasileiro Romeu e Julieta (queijo e goiabada).
["Romeu e Julieta" segundo Ljubo (foto de divulgação)] |
Numa época de crise, em que muitos restaurantes (comerciais, mas também de alta gastronomia, perecem), acho que entendo cada vez melhor o sucesso de Ljubomir. Sabe promover-se, aliar-se aos parceiros certos e tem-se mostrado certeiro em juntar ao prazer convivial de estar à mesa uma cozinha autoral, mas com sabores, texturas e harmonizações que são fáceis de assimilar pela maioria dos comensais.
[Yummy! (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)] |
Parece simples de fazer, mas não é.
Rua do Teixeira, 35, tel. 910 307 575, todos os dias, entre as 19.30 e as 02.00
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