13.6.11

cervejaria da esquina

[A Cervejaria da Esquina, do chef Vítor Sobral (abaixo), serve o que é suposto, mas vai além no conceito e na decoração (fotos de divulgação)]

Por conta deste blog tem-me acontecido uma coisa engraçada, mas até certo ponto prevista, que é, de quando em vez, pernoitar num hotel de Lisboa e arredores. Por regra, não temos (ainda) o hábito de o fazer na cidade onde vivemos, a menos que a isso sejamos forçados por circunstâncias algo esdrúxulas, mas é uma experiência bastante divertida e reveladora. Recomendo.

[Fica mesmo numa esquina de Campo de Ourique, na casa da antiga Bonina (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Mas nem é esse o assunto deste post. O facto tem apenas relevância, no caso, para explicar que a reboque de uma noite passada num hotel entre a Estrela e Campo de Ourique, dei por mim a ter o pretexto que me faltava para ir, finalmente, conhecer a Cervejaria da Esquina do chef Vítor Sobral.

[Tons claros, design simples, mas agradável e confortável, assinado por Paula Moura (foto de divulgação)]

Gosto do bairro alfacinha de Campo de Ourique e não é de hoje. E Vítor Sobral, pelos vistos, é da mesma opinião. Depois do êxito da Tasca da Esquina, aberta há dois anos certos, o conhecido chef voltou a escolher o local, mas desta feita na rua Correia Teles, para inaugurar, em Abril, a Cervejaria da Esquina.

[Além dos aquários, a Cervejaria da Esquina não abdicou de outros artefactos próprios, mas deu-lhes uma nova imagem (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)[

Muito solicitado, Sobral fez algumas incursões na alta gastronomia que não correram bem. Não porque a sua cozinha não possa estar à altura do desafio, mas porque o mercado é restrito em Portugal para esse tipo de apostas e a sua viabilidade, do ponto de vista da rentabilidade, não são, como sabemos, favas contadas.

[Os potes com temperos e especiarias estão à vista e ajudam a criar "ambiente" (foto de divulgação)]

Por isso mesmo, e sem pruridos, Sobral virou-se nos últimos tempos para espaços mais pequenos, mais comerciais e assumidamente com um conceito clássico de restauração portuguesa. Foi assim com a tasca, tem sido assim com a cervejaria e será assim, porventura, como o mesmo já admitiu, com uma futura taberna ou casa de pasto.

[A maioria do marisco é nacional e vendido ao quilo (foto de divulgação)]

A fórmula parece simples e certeira, mas, como se lê numa das paredes da sua nova casa "ter sorte dá muito trabalho". 

[O couvert e um dos emblemas da casa, a Esquininha (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Cheguei para jantar sem reserva, mas não tive problema em encontrar uma mesa, apesar da casa estar bem composta e de ser quase constante o entra e sai. Numa cervejaria, o português espera encontrar bom marisco, mas também bifes. Na cervejaria da Esquina, quem ali vai espera encontrar isso, mas não só.

[O creme de marisco (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

A diferença começa logo na decoração, simples mas actual, com predominância da madeira clara, assinada por Paula Moura, que soube ainda assim integrar elementos tradicionais das cervejarias como os aquários. A ementa aposta forte, claro, nos vários tipos de marisco, a maioria dos quais proveniente da nossa costa, vendidos ao quilo (salvo algumas excepções, como o camarão e as ostras). Não esquece, porém, "clássicos" como o Prego ou o Bife à Casa e permite-se, felizmente, ir mais além ao sugerir uma "cozinha de tacho" que, através de saladas, arrozes, cataplanas, massas, açordas e até caris, acrescenta uma nota gourmet, e de maior sofisticação, à proposta. Afinal,  esta é uma cervejaria, mas não é uma cervejaria qualquer.

[Os pregos chegam assim à mesa, com mostarda de Dijon à parte (foto de divulgação)]

Mas, nestas coisas, nada como nos sentarmos à mesa para ver como se passa da teoria à prática. Dividida a casa em duas salas, acabei por preferir uma mesa na zona de fumadores, embora não fume, que me pareceu mais simpática e recatada junto às cataplanas e aos potes de especiarias. E foi o melhor que fiz, já que durante todo o jantar ninguém me incomodou com o fumo.

Adiante.

[O prego de bife de atum, rosado no interior como deve (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Agrada-me numa cervejaria que tanto se possa gastar até €10, se me apetecer um simples prego no pão e uma cerveja, como pagar uma conta choruda já na ordem dos três dígitos. Digamos, como ponto de referência, que o preço médio de uma refeição aqui rondará os €25-€30 por pessoa, sendo que existem, para lá da carta, duas opções de degustação em que se fica mais ou menos nas mãos do chef (e paga-se, por 3 a 5 pratos, algo entre os €30 e €60, sem bebidas).

[O Caril de camarão, à chegada (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Não ia com ideia de comer marisco, mas olhei a carta do dia, com ostras a €2,90/unid. e lagostins a €126/kg nos extremos da tabela. Pelo meio, amêijoas, lagosta, sapateira, lingueirão, búzios, canilhas, percebes, burriés, camarão tigre e o mais que havia no mercado.

[O caril de camarão já no prato (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Apetecia-me cerveja, mas consultei a lista de vinhos — nada mais fácil quando nos serve de individual —, com opção de espumantes, rosés, tintos, brancos e verdes. Garrafeira com preços razoáveis e uma boa opção de vinhos a copo, entre os €3 (um rosé) e os €10 (um espumante). Aderi ao conceito da "Esquininha", a imperial servida num copo redondo de apenas 15 cl, vendida a €1. Feitas as contas, no final, se calhar bebe-se mais, mas, como no Brasil, faz com que a cerveja não tenha tempo de "amornar" e perder a força.

[A tarte de creme leite (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Da secção "Para começar", deixei ficar o pão, servido numa cesta de borracha, e o prato de paio (os enchidos são outra aposta da casa). Seguiu-se, nos "Clássicos", um Creme de Marisco (€3,60) e um Prego de bife de Atum (€7,60). Sobre o creme, saiu há uns tempos um artigo do Carlos Maribona em que este o descrevia como "bom de sabor, mas demasiado espesso". Sei que Sobral o leu (como todos lêem o que escreve o crítico gastronómico espanhol) e talvez por isso, ou não, o creme chegou-me com uma consistência aveludada, igualmente bom de sabor. Já o atum, muito bom, quase a dispensar a mostarda de Dijon, suculento e rosado no interior. Um dos melhores pregos que já comi.

[Um remate perfeito para um jantar numa cervejaria com "cozinha de tacho" (©joão miguel simões, todos os direitos reservados)]

Poderia ter ficado por ali, e gasto menos. Mas queria provar mais coisas. Pedi, na secção dos "Caris", um de camarão (€17,50), que me chegou à mesa num tacho com arroz Basmati à parte. Muito bem executado, com uma nota acidulada bem-vinda dada pela erva-limão, que lhe deu mais do que apenas aroma.

As doses satisfazem plenamente, mas, ponto a favor, não empanturram. Por isso, consegui ainda ter espaço para a sobremesa. E eu queria mesmo provar as sobremesas, por conta de ter ouvido imensa gente a elogiar este capítulo na Cervejaria da Esquina.

Ao que parece — esqueci-me de confirmar — são executadas por Teresa Garcia e já deixam meia Lisboa aguada com a sua tarte de creme leite ou crocante de amêndoa. Há mais coisas, como gelado de cerveja ou queijo com marmelada, mas eu não resisti à tarte (€3,50), que me chegou, para rematar o respasto, com um café servido num mini púcaro esmaltado.

Paguei um total de €37,50 e saí regalado. Porque o espaço e o conceito cumprem perfeitamente aquilo a que se propõem. E voltarei mais vezes. Com ou sem o pretexto de estar de passagem para os lados de Campo de Ourique.


Rua Correia Teles, 56, tel. 213 874 644, de ter. a dom., almoços entre as 12.30 e as 15.30, jantares entre as 19.30 e as 23.30

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